Published online by Cambridge University Press: 05 May 2023
O Leal Conselheiro é transmitido por um manuscrito único (Paris, BN, ms. port. 5). A história do percurso que o levou a esta instituição foi recentemente objecto de reapreciação pertinente, mas alguns aspectos ainda merecem atenção para efeitos de fazer remontar o códice ao seu meio de origem e reajustar os momentos mais antigos da sua história ou, sobretudo, para avaliar o grau de fiabilidade do único testemunho da tradição.
A confiança nesse testemunho dependerá, efectivamente, em grande medida da integração que dele conseguirmos fazer, pois só ela dará credibilidade ao juízo crítico dos editores. Cada um destes considerou justificado o seu trabalho por ultrapassar deficiências anteriores, mediante uma fidelidade maior ao testemunho (ainda que os critérios ecdóticos, por exigências secundárias, eventualmente desvirtuem a imagem originária e as soluções nem sempre sejam transparentes quanto ao que representam).
Em tempo algo distante, foi aventada uma hipótese, nunca mais retomada, de que a obra se destinaria a ser vertida para latim por um monge florentino, D. Timóteo (secretário do Abade D. Gomes) que havia estado em Lisboa, em 1435; em 11 de Setembro de 1437 ainda a obra não estaria acabada.
Para deslindar os problemas, aproximamos o manuscrito de outros do seu meio de origem. Começaremos por indagar do seu valor testemunhal primitivo a partir de contraposição de variantes que nos oferece quanto ao único sector de texto em que é possível contrapor elementos de tradição colhidos em diversos testemunhos. É o caso do cap. 87 que é “traladado do Livro de Vita Christi”, no cap. 8 deste. Procuraremos testar o efeito de deriva e depois, na medida em que conseguirmos reunir outros traços por afinidades e por contraste, intentaremos também reinterpretar a história do próprio códice.
Comecemos por um dado que nos serve de confronto para um sector de texto. Como é sabido, D. Duarte serve-se de parte de um capítulo (sub medio) da tradução do cap. 8 do Livro da Vita Christi de Ludolfo da Saxónia. Noutro momento discutimos a atribuição da autoria dessa tradução; baste-nos aqui depor que, pelas razões então apresentadas, somos de parecer que ela deve ser considerada como trabalho daquele príncipe (se não directamente, pelo menos dentro do seu círculo de inf luência).
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