Hostname: page-component-7bb8b95d7b-dtkg6 Total loading time: 0 Render date: 2024-09-13T15:14:26.351Z Has data issue: false hasContentIssue false

Pássaros e Cientistas no Brasil: Em busca de proteção, 1894–1938

Published online by Cambridge University Press:  05 October 2022

Regina Horta Duarte*
Affiliation:
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Rights & Permissions [Opens in a new window]

Resume

Core share and HTML view are not available for this content. However, as you have access to this content, a full PDF is available via the ‘Save PDF’ action button.

Um desastroso extermínio de pássaros ocorreu no Brasil durante as primeiras décadas do período republicano, quando o comércio de penas atingiu níveis estrondosos. Os primeiros protestos contra tal situação vieram de naturalistas atuantes nos museus de ciência brasileiros, através do delineamento de dois argumentos principais. Em primeiro lugar, esses cientistas criticavam um liberalismo permissivo do Estado Republicano, responsável pelo abandono dos recursos naturais sem qualquer tipo de proteção. Em segundo lugar, tentavam persuadir os agricultores da utilidade dos pássaros, na maioria insetívoros, e cuja preservação seria absolutamente essencial para manter o equilíbrio natural, um dos pré-requisitos para a continuidade do crescimento econômico e para a construção de uma Nação moderna. Após 1930, com a centralização política promovida por Vargas, o argumento da utilidade dos pássaros foi empregado no reforço de valores morais do regime autoritário, em representações antropomórficas do meio natural.

Abstract:

Abstract:

Disastrous bird extermination occurred in Brazil duringthe first decadesof the newlyestablished Republic. The trade in feathers reached striking levels. The first voices crying outagainst this situation came from naturalists whoworkedat the BrazilianMuseums,whooutlinedtwomainarguments. First, they criticized what they considered a permissive liberalism of the new Republican State thatleft the natural resources withoutany kind of protection. Second, theytried to persuadethe farmers thatbirds,which are mainlyinsectivores, wereabsolutelyessential to maintainequilibriumin nature. This equilibrium would emerge as a prerequisite to sustain the continuity of the economic growth and the construction of a modern nation. After 1930,with the political centralization promoted by Vargas, the argument of the birds' utility was employed to reinforce moral values of the authoritarian regimen in an anthropomorphic representation of the natural environment.

Type
Research Article
Copyright
Copyright © 2006 by the University of Texas Press

Footnotes

A autora agradece ao CNPq, FAPEMIG, Tom, Fernando Costa Straube, José Augusto Drummond, José Luiz de Andrade Franco. Este artigo integra as pesquisas do projeto coletivo “Coleção Brasiliana: escritos e leituras da nação (1931–1941).”

References

1. Stuart McCook, States of Nature (Austin: University of Texas Press, 2002); McCook, “Las epidemias liberais,” in Bernardo García (ed). Estudios sobre historia y ambiente en América, II (Mexico: Colegio de México, 2002), 223–247; Philip Pauly, Biologists and the Promise of American Life (Princeton: Princeton University Press, 2002).

2. William Cronon, Uncommon Ground (New York: Norton Company, 1996), 19–56.

3. “Os chapéus da Maison Blanche,” Fon-Fon!, 04 Julho 1908; “Armazéns Royal,” Fon-Fon! 08 Agosto 1908; “A Brasileira,” Fon-Fon! 26 Julho 1919.

4. José Murilo de Carvalho, Os bestializados (São Paulo: Companhia das Letras, 1989), 39–41; Jeffrey Needell, “Rio de Janeiro at the Turn of the Century,” Journal of Interamerican Studies and World Affairs, 25 (1983): 83–103; Nicolau Sevcenko, Literatura como missão (São Paulo: Brasiliense, 1983), 25–77; Maria Zanon, “Os galicismos na Fon-Fon!: Influências lexicais francesas no português do Brasil” (Ph.D diss, USP, 2003).

5. “O chapéu e o caracter feminino,” Fon-Fon!, 05 Julho 1913; “Estação theatral,” Fon-Fon!, 10 Setembro 1910; “A elite paulista,” Fon-Fon!, 23 Agosto 1913; “O maior chapéu do mundo,” Fon-Fon!, 01 Julho 1911; “Senhoras e senhoritas,” Fon-Fon!, 17 Septembro 1910.

6. James Laver, A roupa e a moda (São Paulo: Companhia das Letras, 1993), 216; François Boucher, A History of Costume in the West (New York: Thames and Hudson, 1987) 388–401; Gilda Mello Souza, O espírito das roupas (São Paulo: Companhia das Letras, 1987)

7. “A Hunt não deixa caçador sem caça,” Fon-Fon!, 14 Agosto 1909; “Standard,” Fon-Fon!, 02 Julho 1910; “Winchester,” Fon-Fon!, 30 Agosto 1919; “Club dos caçadores,” Fon-Fon!, 28 Agosto 1909; “Em Minas, uma caçada,” Fon-Fon!, 19 Setembro 1914; “Notas sociais,” Fon-Fon!, 26 Julho 1919.

8. Alberto de Carvalho, Manual do Caçador (São Paulo: Edição do autor, 1924), 26–28; Bento Arruda, Por Campos e Mattas (São Paulo: Editora Monteiro Lobato, 1925); Bernardo de Castro, Tiro ao Vôo (Rio de Janeiro: Edição do autor, 1925); Henrique Silva, Caças e caçadas no Brasil (Rio de Janeiro: Garnier, s/d); Pereira da Cunha, Viagens e caçadas em Mato Grosso (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1922)

9. A. Redondo, “O comércio das penas no Brasil,” Brotéria: vulgarização científica, XV (1917): 33–5; Teresa Urban, Saudade do Matão (Curitiba: UFPR/ Boticário/ Fundação MacArthur, 1998), 55–58; João Menegheti, “Curiosidades sobre a caça à perdiz,” Natureza em revista, 9 (1982), 28–30; Warren Dean, A ferro e fogo (São Paulo: Companhia das Letras, 2000), 264–265; Nancy Stephan, Picturing Tropical Nature (New York: Cornell University Press, 2001), 51.

10. Emilio Augusto Goeldi, As aves do Brasil (Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves e Cia, 1894, 2v), 214–243; Hermann von Iherring, “Necessidade de uma lei federal de caça e proteção das aves,” Revista do Museu Paulista III (1902), 228–260.

11. Kathryn Lasky, She's Wearing a Dead Bird on Her Head (New York, Hyperion, 1995) www.americanhistory.si.edu/feather/fthcex.htm;

12. Charles Babcock, Bird Day (New York: Silver, Burdett and Co, 1901); F.G. Blair, Illinois Arbor and Bird Days (Springfield: Superintendence of Public Instruction/Schnepp Barnes State Printers, 1915).

13. Keith Thomas, O homem e o mundo natural (São Paulo: Companhia das Letras, 1996), 217, 289. O autor destaca Itália e Espanha como exceções, pois não tiveram movimentos contra a crueldade contra animais, no XIX. Sobre a Royal Society for the Protection of Birds: www.rspb.org.uk/about/history/index.asp. Urban, 86, 87; http://museum.gov.ns.ca/mnh/nature/nsbirds/feat05.htm. Reinaldo Funes, “La Sociedad Protectora de Animales y Plantas (1882–1891),” “Se puede vivir en Ecópolis,” 1998 (12/13); http://avesargentinas.org.ar

14. W. W. Alien, “Notes on the Albatross,” Emu, 2 (1902): 100; Santiago Olivier, Ecología y subdesarrollo en América Latina, (México: Siglo XXI, 1983), 203–223; Pedro Cunnil, “Movimientos pioneros y deterioro ambiental y paisajístico en en siglo XIX venezolano,” in García, Estudios sobre historia, 141–160; http://migratorybirds.fws.gov/intrnltr/treatlaw.html

15. Alberto Torres, O problema nacional brasileiro, 3a ed (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978), 94–95, 104; Adalberto Marson, A ideologia nacionalista em Alberto Torres (São Paulo: Duas Cidades, 1979).

16. Lúcia Oliveira, Americanos (Belo Horizonte: UFMG, 2000), 74–5, 97, 131–43; Theodore Roosevelt, Através do sertão do Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944).

17. Todd Diacon, Stringing Together a Nation (London: Duke University Press, 2004), 10, 110. Este autor realiza instigante crítica à análise revisionista sobre Rondon de Antônio Lima, Um grande cerco de paz (São Paulo: Vozes, 1995).

18. Edgar Roquette-Pinto, Rondônia, 3a ed. (São Paulo: Cia Editora Nacional, 1935), 88–89.

19. “Hermann von Ihering,” Natureza em Revista 2 (1971): 6–10; Maria Lopes, O Brasil descobre a pesquisa científica (São Paulo: Hucitec, 1997), 158–212, 248–291; www.goeldi.com.br/cronologia.html.

20. Emilio Goeldi, “Destruição das garças e guarás,” Boletim do Museu Paraense, II (1898): 27–42; Goeldi, As Aves do Brasil, 242–243.

21. Ihering, Necessidade de uma lei, 238–260.

22. Goeldi, Destruição das garças, 31–39.

23. Ihering, Necessidade de uma lei, 255.

24. Artur Neiva, “Prefácio,” Eurico Santos, Pássaros do Brasil, 2' ed (Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1948), 8, 9; Nísia Trindade Lima, Um sertão chamado Brasil (São Paulo: Revan, 1999), 93–121. Sobre natureza e populações pobres no Brasil contemporâneo, com ênfase na Amazônia e no desprezo das populações comuns pelos ecologistas: Slater, Entangled Edens, 183–204.

25. São obras de Hermann von Ihering: “As aves do Estado de São Paulo,” Revista do Museu Paulista III (1898): 113–476; “As aves do Estado do Rio Grande do Sul,” Annuario do Estado do RGS para o anno 1900 (Porto Alegre: Graciano Azambuja, 1899); “Aves observadas em Cantagalo e Nova Friburgo,” Revista do Museu Paulista IV (1900):149–164; “Catálogo crítico-comparativo dos ninhos e ovos das aves do Brasil,” Revista do Museu Paulista IV (1900): 191–300, “Contribuições para o conhecimento da ornithologia de São Paulo,” Revista do Museu Paulista V (1902): 261–329; “As aves do Paraguay em comparação com as de São Paulo,” Revista do Museu Paulista VI (1904): 310–384; As aves do Brasil (São Paulo: Museu Paulista, 1907); “Novas contribuições para a ornithologia do Brasil,” Revista do Museu Paulista IX (1914): 411–48.

26. Goeldi, Destruição das garças, 36.

27. Ihering, Necessidade de uma lei, 244–249; Hermann von Ihering, “Proteção às aves,” Revista do Museu Paulista IX (1914): 316–332; Hermann von Iherign, “Devastação e conservação das matas,” Revista do Museu Paulista VIII (1911): 485–500.

28. Goeldi, Destruição das garças, 30.

29. Torres, O Problema Nacional, 92–3, 100–01; Marson, A ideologia nacionalista, 136–37, 149; 162.

30. Neiva, citado in Eurico Santos, Pássaros do Brasil, 169; Alípio de Miranda Ribeiro, citado in Eurico Santos, Pássaros do Brasil, 91; Mário Olivério Pinto, “Resultados ornithológicos de uma excursão pelo oeste de São Paulo e sul de Mato Grosso,” Revista do Museu Paulista XVII (1932): 689–826; Ihering, Proteção às aves, 316; Ihering, Necessidade de uma lei, 249.

31. Lúcia Oliveira, Mônica Velloso e Ângela Gomes, Estado Novo (Rio de Janeiro: Zahar, 1982), 109–150; Lúcia Oliveira, Elite intelectual e debate político nos anos 30 (Rio de Janeiro: FGV, 1980); Simon Schwartzman, Helena Bomeny e Vanda Costa, Tempos de Capanema (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000).

32. Marson, A ideologia nacionalista, 60; José Luiz Franco, “Proteção à natureza e identidade nacional: 1930–1940” (Ph.D. diss., Universidade de Brasília, 2002).

33. Eugênio George, As caçadas, o que elas exprimem moralmente, (Rio de Janeiro: Cattaneo & Borseti, 1912); “As Caçadas ou os dramas dos ninhos,” Chácaras e quintais VI (1912): 13–15.

34. Bento Arruda, Caça, Caçadas e caçadores (São Paulo: s/e, 1925), 20–22; Ihering, Protecção às aves, 322; Hermann Luederwaldt, “Algumas considerações sobre a natureza do Brasil,” Revista do Museu Paulista XVI (1929): 317–327; Pinto, Resultados ornithológicos, 693; José Veríssimo, citado in Edgar Schneider, “Aspectos sociológicos da caça,” in C. F. Buys, Armas e munições de caça (Porto Alegre: Livraria Globo, 1934), 225.

35. Arnaldo Barreto, Ramon Roca e Theodoro de Morais, eds., Festa das aves, (São Paulo: Diário Oficial/Directoria Geral da Instrução Pública, 1911).

36. Cândido de Mello Leitão, A biologia no Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938), 164–65; Ihering, Proteção às aves, 325.

37. Pinto, Resultados ornithológicos, 691; José Alves, A ornitologia no Brasil (Rio de Janeiro: EdVerj, 2000), 327–342; Goeldi, As aves do Brasil, 3; Fernando Straube e Alberto Urben-Filho, “Tadeusz Chrostowski (1878–1923): Biografia e perfil do patrono da ornitologia paranaense,” Boletim do IHGPR 52 (2002): 35–52.

38. Roquette-Pinto, “Alberto Torres,” Revista Nacional de Educação II (18/19): 1–8 (1934).

39. Helen Macdonald, “What Makes You a Scientist is the Way You Look at Things: Ornithology and the Observer, 1930–1955,” Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences 33 (2002): 53–77.

40. Hermann von Ihering, “A pátria das nuvens de gafanhotos,” Chácaras e Quintais 5 (1911): 21–23; Rodolpho von Ihering, “Em defesa do tico-tico,” Chácaras e Quintais 4 (1913): 47–49; Hitoshi Nomura, “A colaboração de Miranda Ribeiro para o conhecimento da zoologia brasileira na época da Comissão Rondon,” Revista de Ornitologia Paranaense 4 (2000): 26–29; Santos, Pássaros do Brasil, 104.

41. A Pessoa, “Ainda sobre nossos pássaros cantores,” Chácaras e Quintais, 2 (1929): 173–174; Wilson Costa, Os pequenos amigos da agricultura (São Paulo: A Capital, 1914); “Carta Interessante,” in Barreto et al., Festa das aves, 162–3; Ernesto Niemeyer, “As andorinhas e os mosquitos,” Chácaras e Quintais 5 (1936): 698–702; “Uma ave útil,” Sítios e Fazendas 4 (1937).

42. Oliveira, Estado Novo, 151–166.

43. Sobre o antropomorfismo nas relações entre conhecimento biológico e práticas sociais, Marshall Sahlins, The Use and Abuse of Biology (Michigan: University of Michigan Press, 2003), 93–108.

44. Barreto et al., Festa das aves, iv-vi, 109–10, 118.

45. Schneider, Aspectos sociológicos, 214.

46. “Conselhos,” Fon-Fon!, 15 Fevereiro 1930, 67; “Proteção aos irracionais,” Fon-Fon!, 01 Março 1930, 65; “A vida dos pássaros,” Fon-Fon!, 18 Outubro 1930, 42.

47. Santos, Pássaros do Brasil, 13–18, 25, 55, 127; Eurico Santos, Da ema ao beija flor, 2. ed. (Rio de Janeiro: Briguiet, 1952).

48. Oliveira, Estado Novo, 156.

49. Decreto 24.645 de Julho 10, 1934. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936), 720–23; Edna Dias, A proteção da fauna brasileira, http://www.oab-mg.com.br/escola/v4n2p3.htm; Eurico Santos, Caças e caçadas (Rio de Janeiro: Briguiet, 1950)

50. Schneider, Aspectos sociológicos, 267.

51. Ihering, Devastação e conservação, 485–6, 493. Sobre o organicismo na ecologia, Michael Barbour, “Ecological Fragmentation in the Fifties,” In Cronon, Uncommon Ground, 233–255.

52. Oliveira, Estado Novo, 114; Schwartzman, Tempos de Capanema, 183; Alcir Lenharo, A sacralização da política (Campinas: Papirus, 1986), 18; Franco, Proteção à natureza … 6–13.

53. Seth Garfield, “A Nationalist Environment: Indians, Nature, and the Construction of the Xingu National Park in Brazil,” Luso-Brazilian Review 41 (1) (2004); José Drummond, Devastação e preservação ambiental no Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Eduff, 1997), 141–208; “Primeira conferência brasileira de proteção à natureza,” Boletim do Museu Nacional XVI (1935); Franco, Proteção à natureza, 14–34; Schwartzman, Tempos de Capanema, 17.

54. “Combate às pragas,” Sítios e fazendas, 12 (1942).

55. Para a íntegra do State of the World's Birds 2004: Indicators for Our Changing World. Cambridge, UK: BirdLife International, http://www.birdlife.net/action/science/sowb/pdf_contents.html.

56. Fábio Olmos, “Correção política e biodiversidade,” Jorge Albuquerque (ed), Ornitologia e conservação (Tubarão: Unisul, 2001), 291–299.

57. Candace Slater, Entangled Edens (Berkeley, University of California Press, 2002); Paul Little, Amazonia: Territorial Struggles on Perennial Frontiers, (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2001); Antônio Diegues, O mito moderno da natureza intocada (São Paulo: Hucitec, 2000); Olmos, Correção, 279–311; Lúcia Ferreira, “Conflitos sociais em áreas protegidas no Brasil,” Idéias 8 (2001): 115–49.