Hostname: page-component-586b7cd67f-dsjbd Total loading time: 0 Render date: 2024-11-30T20:11:24.576Z Has data issue: false hasContentIssue false

Alteridade e aliança: Paisagem matrimonial transatlântica

Published online by Cambridge University Press:  02 January 2022

Octávio Sacramento*
Affiliation:
Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, PT
Rights & Permissions [Opens in a new window]

Abstract

Os casamentos entre pessoas de diferentes países tendem a organizar-se segundo geografias preferenciais e constituem paisagens conjugais distintivas, como a que ganha forma no espaço transatlântico euro-brasileiro de que o presente artigo dá conta. Neste contexto predominam os arranjos matrimoniais com uma determinada estrutura de género-nacionalidade (homens-europeus e mulheres-brasileiras), dos quais emergem configurações de aliança espacial e culturalmente extensivas, assentes numa exogamia que cruza fronteiras políticas, sociais e identitárias. Diversificada e distendida, esta paisagem conjugal articula múltiplos eixos de alteridade: nacionalidade, sexualidade, género, “raça”, etnicidade, classe. Mais do que fatores de clivagem, as demarcações inscritas neste padrão heterogâmico funcionam como indutoras de atração, envolvendo a conjugação de diversos desejos. As diferenças e desigualdades inerentes aos casamentos entre europeus e brasileiras tendem a suscitar a ideia de que as últimas serão as maiores beneficiadas com a constituição de vínculos de aliança transnacionais. Porém, esta hipergamia feminina pode ser obstada, sobretudo quando o matrimónio implica a migração para a Europa.

Marriages between people from different countries tend to be organized according to preferential geographies and form distinctive “marriagescapes,” such as the one that takes shape in the Euro-Brazilian transatlantic space, the focus of this article. In this context, marital arrangements with a particular gender-nationality structure prevail (European men and Brazilian women), from which spatial and culturally extensive alliance configurations emerge, based on an exogamy that crosses political, social, and identity boundaries. Diversified and distended, this marriagescape combines multiple axes of alterity: nationality, sexuality, gender, “race,” ethnicity, class. More than cleavage factors, the demarcations inscribed in this heterogamic pattern function as attraction inducing, involving the articulation of diverse desires. The differences and inequalities inherent to the European-Brazilian marriages tend to give rise to the idea that the Brazilian women will be the major beneficiary from the establishment of transnational alliance bonds. However, this female hypergamy can be hindered, particularly when matrimony involves migration to Europe.

Type
Anthropology
Creative Commons
Creative Common License - CCCreative Common License - BY
This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License (CC-BY 4.0), which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original author and source are credited. See http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/.
Copyright
Copyright: © 2020 The Author(s)

A densa teia de transnacionalismos que povoa o atual sistema-mundo (Reference Darieva, Schiller and Gruner-DomicDarieva, Schiller e Gruner-Domic 2012; Reference Go and KrauseGo e Krause 2016) tem repercussões profundas em diversas dimensões da vida. Na esfera mais pessoal gera configurações de intimidade que extravasam fronteiras, vencem distâncias e fomentam diversidade. O casamento entre pessoas de diferentes países constitui a expressão mais normativa e institucionalizada desta “transnacionalização da intimidade” (Reference KingKing 2002, 99). A aliança conjugal fundada na heterogamia da nacionalidade dos cônjuges é designada por casamento binacional, misto ou transnacional (Reference Al-Sharmani, Tiilikainen and MustasaariAl-Sharmani, Tiilikainen e Mustasaari 2017; Reference CharsleyCharsley 2013; Reference Checa and ArjonaCheca e Arjona 2017; Reference Chung and KimChung e Kim 2016; Reference ConstableConstable 2005; Reference Djurdjevic and RocaDjurdjevic e Roca 2016; Reference FlemmenFlemmen 2008), o qual está, intrinsecamente, associado a determinadas formas de mobilidade que alguns autores classificam como migrações matrimoniais, sentimentais ou por amor (Reference BrettellBrettell 2017; Reference JonesJones 2012a; Reference RocaRoca 2009, Reference Roca2013; Reference WilliamsWilliams 2010). É justamente destes casamentos que cruzam fronteiras nacionais e identitárias que aqui me ocupo, considerando como contexto empírico de referência o marriage field (Reference Niedomysl, Östh and van HamNiedomysl, Östh e Ham 2010) decorrente das uniões matrimoniais euro-brasileiras em Natal-RN, no nordeste do Brasil. A significativa afluência de cidadãos estrangeiros a esta cidade, sobretudo no âmbito do turismo internacional proveniente da Europa, tem proporcionado convergências passionais transnacionais que, por vezes, evoluem no sentido da conjugalidade.

Noutros trabalhos foram já debatidas as condições estruturais, expectativas, desígnios, circunstâncias e práticas associadas à constituição destes vínculos, bem como as estratégias de mobilidade, convivência e residência que os mesmos implicam (Reference Sacramento and FernándezSacramento, 2015, Reference Sacramento2016a, Reference Sacramento2017, Reference Sacramento2018). Agora, o objetivo central passa por caracterizar e compreender de forma mais sistemática os significativos contrastes que impulsionam a aliança à escala transatlântica segundo certos critérios de preferencialidade, produzindo padrões sociais de intimidade conjugal indissociáveis de uma “economia cultural transatlântica do desejo” (Reference VeissièreVeissière 2011). Parto do princípio de que os casamentos que aqui se concretizam não são propriamente fruto do acaso e seguem determinadas lógicas, desde logo “lógicas culturais do desejo” (Reference ConstableConstable 2003, 116–144) forjadas na economia política colonial e pós-colonial. De um modo geral, e à semelhança do que acontece noutros contextos mundiais, estes casamentos organizam-se em torno de fronteiras de alteridade geradoras de sedução cultural (Reference CampbellCampbell 2007; Reference Kohn, Breger and HillKohn 1998) e produzem recorrências em que o género, a classe, a nacionalidade, a etnicidade, entre outros elementos, se articulam de forma a constituir “paisagens matrimoniais” (Reference ConstableConstable 2005) com configurações distintivas.

A análise apoia-se no trabalho de campo etnográfico que, ao longo de cerca de um ano (2009–2010), realizei sobre configurações de intimidade heterossexual adulta entre mulheres brasileiras e homens europeus iniciadas no quadro das estadias turísticas dos últimos em Ponta Negra, um dos bairros balneares mais cosmopolitas da área metropolitana de Natal (Reference SacramentoSacramento 2014). Este foi o contexto de referência e de partida da investigação. Porém, como muitos dos relacionamentos que aí se iniciam perduram no tempo e resultam em casamento, pressupondo sucessivas mobilidades entre a Europa e o Brasil, foi necessário incluir no terreno da pesquisa empírica alguns dos principais destinos europeus (v.g., Norte de Itália) envolvidos nas redes de fluxos em causa. Através desta “etnografia multi-situada” (Reference MarcusMarcus 1995) foi possível acompanhar alguns dos informantes que conheci em Ponta Negra—não só os europeus, como as respetivas parceiras brasileiras—nos seus trânsitos e estadias entre as duas margens atlânticas, o que permitiu apreender com maior densidade a construção da intimidade no plano transnacional. A abordagem etnográfica contemplou a utilização de diversos procedimentos de recolha de dados, destacando-se a observação participante em contextos sociais subjacentes à constituição de vínculos passionais euro-brasileiros e a realização de mais de meia centena de entrevistas semidirigidas, nos dois lados do Atlântico, aos principais protagonistas do fenómeno. Num registo de complementaridade, foi ainda aplicado um pequeno inquérito por questionário aos turistas europeus na praia de Ponta Negra e efetuada pesquisa estatística e documental em diferentes contextos institucionais.Footnote 1

Tendo em conta o âmbito do presente texto e muitos dos dados que mobiliza com vista à caracterização da nupcialidade entre natalenses e europeus, destaco o trabalho de pesquisa documental realizado nos serviços de notariado de Natal onde são feitos registos matrimoniais: cartórios de Cidade Jardim, Alecrim, Igapó e Redinha. Aqui, o processo de recolha de informações foi organizado em dois segmentos com diferentes balizas temporais: o dos registos de casamentos binacionais realizados em Natal, de 1 de janeiro de 2005 a 30 de abril de 2010, e o das transcrições feitas entre 1 de janeiro de 2008 e 30 de abril de 2010 para os casamentos binacionais celebrados no exterior do país.Footnote 2 Em ambos os casos considerei todos os assentos envolvendo brasileiros e estrangeiros—independentemente do género e das nacionalidades—, de modo a conseguir um cenário alargado que permitisse ver em perspetiva a parte do todo que mais interessava analisar (os casamentos entre europeus e brasileiras) e, assim, melhor perceber a sua expressão e configurações. Nos períodos em causa foram registados 434 casamentos binacionais e transcrições de 176 casamentos fora do país entre brasileiros e cidadãos de outras nacionalidades. Dos elementos que constam nestes registos, recolhi aqueles que tinham maior relevância para o meu trabalho: a nacionalidade, idade e profissão dos cônjuges, o seu estado civil anterior e o regime patrimonial do contrato nupcial. A articulação destas informações documentais com o grande volume de dados decorrente da observação participante e das entrevistas semidirigidas permitiu adensar a compreensão das escolhas e dos sentidos constituintes dos cenários de aliança no eixo Natal-Europa.

Alteridade, fronteiras de atração e micropolítica da intimidade

A constituição dos grandes impérios ultramarinos a partir do século XVI instaurou uma profunda colonização simbólica e epistemológica dos trópicos (Reference MignoloMignolo 2000, Reference Mignolo, Pinn, Levander and Emerson2010), contribuindo, assim, para a sua emergência identitária como eminentes geografias de lazer, prazer e erotismo (Reference McClintockMcClintock 1995; Reference Sacramento and RibeiroSacramento e Ribeiro 2013; Reference StolckeStolcke 2006). Foi, justamente, nas reminiscências da antiga ordem colonial, bem como nas suas imagens e imaginações do “outro”, carregadas de atribuições exóticas, sensuais e sexuais—apropriadas e (re)modeladas nos processos pós-coloniais de afirmação das identidades nacionais (Reference MachadoMachado 2009; Reference SommerSommer 2004)—, que começaram a estruturar-se muitas das aspirações, desejos e seduções interculturais que impulsionam configurações transnacionais de intimidade como as que testemunhei entre a cidade de Natal e o continente europeu.

Os vínculos históricos entre o Brasil e a Europa contribuíram, decisivamente, para a formação de correlações de economia política e de identidade que é importante considerar para perceber os relacionamentos afetivo-sexuais e conjugais entre os respetivos cidadãos e as mobilidades que, a montante e a jusante, estão envolvidas nesses mesmos relacionamentos. As assimetrias na repartição de recursos e demais elementos estatutários e identitários entre países e, acima de tudo, entre pessoas específicas assumem-se como condições estruturais de enorme influência na organização dos regimes passionais transatlânticos, nomeadamente na definição dos posicionamentos, subjetividades e expectativas dos diferentes sujeitos que os protagonizam. As paisagens transnacionais de intimidade e conjugalidade são, como destaca Constable (Reference Constable2005, 4), “configuradas e limitadas por fatores, já estabelecidos ou emergentes, de ordem cultural, social, histórica e político-económica”.

Imbricados na “economia política do amor” (Reference Padilla, Hirsch, Muñoz-Laboy, Sember, Parker and PadillaPadilla et al. 2007a, x–xii) à escala transatlântica encontramos uma considerável profusão de discursos (v.g., históricos, religiosos, etnográficos, literários, políticos, mediáticos), intensificados e disseminados nas últimas décadas como em nenhum outro momento da história, devido à expansão das indústrias da cultura e comunicação, à internet e à crescente mobilidade de pessoas. Através destes discursos, e praticamente desde os primórdios coloniais, foram ganhando forma disposições identitárias recíprocas e diferenciadas, em particular determinadas intersecções de nacionalidade, género, “raça”, classe e sexualidade (Reference StolckeStolcke 2006), das quais emergem as alteridades, representações e vontades que pautam convergências passionais transnacionais como as que observei no decurso do trabalho de campo. Estas categorias de articulação ou intersecção foram designadas de “interseccionalidades” (Reference Brah and PhoenixBrah e Phoenix 2004; Reference BrahBrah 2006; Reference McClintockMcClintock 1995) e, no entender de Piscitelli (Reference Piscitelli2008), constituem importantes referências analíticas na compreensão dos processos de inserção das mulheres brasileiras migrantes nos mercados globais do trabalho (incluindo-se aqui a indústria do sexo) e da aliança.Footnote 3 Na construção da intimidade entre os europeus e as mulheres brasileiras em Natal são mobilizadas noções por uns e outras enquadráveis nestas categorias de intersecção. Neste processo, a relevância e operacionalidade de cada categoria e a forma como se entrecruza com as demais pode apresentar variações significativas, nomeadamente em função de subjetividades e de quadros relacionais mais ou menos permeados por lógicas e processos de mercantilização da intimidade.

Os elementos deste complexo de categorias, dependendo dos contextos e das circunstâncias, são convocados para sinalizar demarcações várias entre o Brasil e a Europa (ou um país em concreto), articulando-se linhas de distinção identitária, desde logo na esfera do género (Reference PiscitelliPiscitelli 2004, Reference Piscitelli2008; Reference Ribeiro and SacramentoRibeiro e Sacramento 2006), que têm subjacente uma tentativa de fundamentação da preferência pelo “outro” para casar e constituir família. Estes processos cruzados de delimitação de identidades e de constituição de preferências eróticas, sexo-afetivas e matrimoniais expressam fronteiras de teor simbólico/social, investidas (inter)subjetivamente como polos de graduação da atração. Trata-se, portanto, de fronteiras eminentemente porosas e fluidas. Não apenas distinguem, como também articulam e suscitam a negociação de identidades, afirmando-se como espaços in between (Reference BhabhaBhabha 1994). Enquanto interstícios de interface cultural, ligam indivíduos e grupos diferentes, constituindo potenciais eixos de incidência de hibridismos e de manifestações identitárias transnacionais que superam categorias rígidas e monolíticas (Reference AlvarezAlvarez 1995; Reference Cunha and CunhaCunha e Cunha 2007; Reference Lamont and MolnárLamont e Molnár 2002).

A perspetiva das fronteiras como demarcações que tanto podem opor como justapor diferenças, seguindo uma lógica mais dicotómica face a um “outro” privilegiado, ou uma lógica mais complexa e difusa face a “outros” (Reference Lamont and MolnárLamont e Molnár 2002), é incontornável na análise da construção da intimidade à escala transnacional. Isto porque os fluxos de pessoas que estão na origem de relacionamentos transnacionais de cariz afetivo-sexual e matrimonial cruzam múltiplas fronteiras, nem sempre convergentes e com diferentes características em termos de plasticidade e permeabilidade, que podem funcionar para os sujeitos como fatores tendencialmente geradores de atração e união ou, em sentido inverso, antagonismo e rejeição. As fronteiras interpeladas são da esfera político-burocrática e de âmbito simbólico. As primeiras delimitam pertenças nacionais e, com base nesse aspeto, tendem a aproximar ou a separar, facilitando ou dificultando mobilidades e contactos. As fronteiras simbólicas, por seu lado, criam esquemas de classificação da realidade e de demarcação social, podendo, tal como as demais, agregar ou dividir, seja com base na semelhança ou na diferença.

Muitas das mulheres brasileiras que acompanhei no decurso do trabalho de campo—a maioria entre os vinte e os trinta anos e pertencente às chamadas classes populares—seguem micropolíticas da intimidade no quadro da sexualidade e da aliançaFootnote 4 assentes na preferência por uma exogamia transversal que permita a transposição de múltiplas fronteiras relativamente convergentes: de classe, de “raça”, de nacionalidade e de âmbito etno-sexual (Reference NagelNagel 2003). Nestes casos, manifestam-se de forma evidente a poética e a economia política (Reference AdelmanAdelman 2011; Reference CabezasCabezas 2004; Reference JúniorJúnior 2005; Reference Padilla, Hirsch, Muñoz-Laboy, Sember, Parker and PadillaPadilla et al. 2007a; Reference Rebhun and PadillaRebhun 2007; Reference ZelizerZelizer 2005) de uma atração ante o europeu (em detrimento do brasileiro) que remete não só para predilecções estéticas e/ou eróticas racializadas (v.g., o fascínio pela sua brancura e olhos claros), como também para expectativas de aceder a uma maior democracia de género, a um projeto familiar mais consistente e a condições que garantam vida boa e ascensão social (Reference Sacramento and FernándezSacramento 2015, Reference Sacramento2017). Os seguintes testemunhos são elucidativos:

Eu gosto de homens altos, claros, de nariz fino e olhos azuis… olhos claros! Esse homem aí [refere-se a europeus] é diferente de mim, ele me complementa. Um brasileiro é igual a mim, tem a minha cor [ela é mestiça]. […] Os brasileiros são egoístas no sexo. Veem a mulher como objeto de sua satisfação. Atingem o orgasmo e não querem nem saber se a mulher está satisfeita ou não. Os europeus prestam mais atenção na mulher. (Brasileira, 24 anos)

Brasileiro é todo igual: infiel, machista e sempre desconfiando da mulher. Para ele, a mulher não pode nem olhar para um homem, mas ele está sempre olhando e paquerando outras! Ele só quer sair fazendo filho e não tá nem aí para ajudar a criar. É melhor ser puta de um europeu do que esposa de um brasileiro. (Brasileira, 19 anos)

Quero um marido que chegue para mim todas as noites: “oi meu amor, cheguei!”. Tenho preferência por europeu. Agora se for um brasileiro—não é fácil achar!—que também seja romântico, de família, trabalhador e me dê uma vida boa, a mim e aos meus filhos… aí tá bem. (Brasileira, 28 anos)

Da parte dos europeus também é consideravelmente significativa a preferência exogâmica de que falava atrás, ainda que mais circunscrita, neste caso, à expectativa de transpor fronteiras de género e sexualidade que, de um modo geral, os próprios identificam como os grandes obstáculos que se colocam aos relacionamentos com as mulheres dos seus países. As dificuldades, intermitências e insatisfações relacionais decorrentes das transformações dos sistemas de género na Europa, já evidenciadas noutros textos (Reference O’Connell-DavidsonO’Connell-Davidson 2001; Reference PiscitelliPiscitelli 2004; Reference RocaRoca 2011; Reference SacramentoSacramento 2018), constituem aspetos marcantes das biografias íntimas destes homens. Nos seus discursos, a emancipação da mulher europeia figura como a causa maior da turbulência que afeta a organização dos respetivos trajetos de intimidade. Em contrapartida, a mulher brasileira é tida como mais autêntica, representando uma ordem de género supostamente mais condizente com o que julgam ser a normalidade da identidade feminina e masculina: “Óh pá, eu acho que a mulher aqui [Brasil] é mais feminina… mais do que a portuguesa”. A mulher portuguesa, para mim, tornou-se machona, é mais possessiva. […] aqui são mais meigas (turista-residente português, 70 anos); “Aqui [Brasil], as raparigas são belíssimas, porque são pessoas humildes. Como carácter, aqui agradam-me muito mais [do que as italianas]” (turista italiano, 28 anos). Estes homens esperam, por isso, encontrar possibilidades relacionais e identitárias nos trópicos que, alegadamente, têm vindo a escassear no Ocidente.

Nas diferentes orientações micropolíticas que conduzem à construção de cenários de intimidade euro-brasileiros, a nacionalidade tende a assumir o papel de categoria-pivô em torno da qual as demais se organizam e operam. Na visão dominante dos europeus é por referência à nacionalidade que se produz uma conceção racial uniforme e estereotipada, carregada de conotações sexuais, das brasileiras como mestiças (Reference PiscitelliPiscitelli 2008), sendo que, no cenário global, a própria nação brasileira tende a ser percebida como uma “comunidade sexualizada” (Reference Noleto, Cancela, Moutinho and SimõesNoleto 2015) e feminizada, densamente associada à figura da mulata como ícone de desejos e prazeres, e síntese da brasilidade. Da parte das mulheres brasileiras e do seu entorno social, a menor relevância atribuída à “raça” na definição de parceiros preferenciais, quando comparada com a nacionalidade, deverá ser compreendida tendo em conta as especificidades das construções raciais no Brasil. Como destaca DaMatta (in Reference Ribeiro and SacramentoRibeiro e Sacramento 2009, 251), “no Brasil, ao contrário do que acontece em outros países—e eu penso aqui, sobretudo, nos Estados Unidos—não ficamos com uma classificação racial formalizada em preto e branco (ou talvez, mais precisamente, em preto ou branco)”. De igual modo, Fry (Reference Fry2005) chama a atenção para a ambiguidade, a imprevisibilidade e o carácter eminentemente contingencial das definições raciais no contexto brasileiro, daí resultando uma “cultura de mestiçagens” que gera mobilidades e dinamismo no corpo social (Reference FilhoFilho 2011).

A existência de delimitações raciais mais nítidas, rígidas e dicotómicas na América do Norte ajudará, certamente, a esclarecer o facto de a categoria “raça” surgir aí como o grande referencial quando está em causa a transposição de ordenamentos etno-sexuais, sendo utilizada como móbil quer de estratégias endogâmicas, quer exogâmicas (Reference Porter and BronzaftPorter e Bronzaft 1995; Reference Russell, Wilson and HallRussell, Wilson e Hall 1993; Reference TastsoglouTastsoglou 2002). No Brasil, esta sua capacidade operativa de classificação e definição de fronteiras sociais dilui-se significativamente, evidenciando uma grande volatilidade em função de várias outras categorias, como é o caso evidente da classe (Reference FernandesFernandes 1978; Reference SansoneSansone 2004), com a qual mantém sempre, seja qual for o contexto, uma dialética de co-significação (Reference FanonFanon [1952] 1989). Em configurações transnacionais, a nacionalidade junta-se a estas categorias e assume um papel estruturante na (re)definição dos seus sentidos e na sua articulação.

No cenário estrutural de assimetrias hemisféricas (Norte/Sul) em que se situam o Brasil e a Europa e de um passado colonial e pós-colonial que lhes conferiu desiguais estatutos e representações, é a nacionalidade que mobiliza, articula e condensa noções diferenciadas de género, “raça”, sexualidade e classe (Reference McClintockMcClintock 1995; Reference PiscitelliPiscitelli 2008; Reference PontesPontes 2004; Reference StolerStoler 1995).Footnote 5 É ela que carrega simbolicamente as geografias e sinaliza posições, desigualdades e identidades, suscitando muitas das representações, aspirações e desejos subjacentes à constituição de paisagens transnacionais de intimidade. A alteridade sistémica que convoca constituiu-se como o grande polo de sedução e de atração cultural (Reference CampbellCampbell 2007; Reference ConstableConstable 2003; Reference Kohn, Breger and HillKohn 1998; Reference Flemmen, Lotherington, Bærenholdt and GranåsFlemmen e Lotherington 2008; Reference PiscitelliPiscitelli 2004;) recíproca, entre homens europeus e mulheres brasileiras, que impulsiona o mercado transatlântico de intimidade e aliança. As diferenças culturais (e diferenças físicas culturalmente informadas) geram fronteiras identitárias que, sendo permeadas por velhas lógicas do desejo (Reference ConstableConstable 2003),Footnote 6 encerram em si próprias um forte potencial de transgressão e, por isso, atraem mais do que apartam.

Da atração transnacional suscitada pelas fronteiras identitárias que, historicamente, marcam o espaço Atlântico resultam diversos formatos de intimidade, sendo que alguns dos quais evoluem como projetos de conjugalidade. Nestes casos, o casamento não é, necessariamente, o enquadramento institucional gerador do laço conjugal. Porém, dadas as vantagens jurídicas relacionadas com a mobilidade, a residência e os demais direitos dos cônjuges e filhos, são muitos os casais euro-brasileiros que, num ou noutro momento da sua vida em comum, acabam por contrair matrimónio e, assim, institucionalizar o respetivo vínculo na esfera do direito e, por vezes, também da religião. As configurações destes casais juridicamente formalizados são debatidas nas próximas secções.

Género e geografia da aliança no espaço transatlântico

Olhando para os dados proporcionados pela pesquisa documental sobre os casamentos binacionais nos cartórios de Natal, a primeira e mais imediata constatação revela uma acentuada disparidade de género. A proporção de homens brasileiros casados com alguém de outra nacionalidade é, incomparavelmente, menor que a de mulheres brasileiras em semelhante situação: 7 por cento versus 93 por cento nos 434 casamentos oficiados em Natal e 5,6 por cento versus 94,4 por cento no caso das 176 transcrições de enlaces ocorridos fora do Brasil.Footnote 7 Nos mercados matrimoniais globalizados a dimensão de género é fundamental (Reference SizaireSizaire 2016). A participação do Brasil nestes mercados faz-se principalmente por via feminina, um padrão recorrente no cenário mundial, em especial nos países do Sul (Reference ConstableConstable 2003, Reference Constable2005; Reference HaandrikmanHaandrikman 2012; Reference JonesJones 2012a; Reference PiscitelliPiscitelli 2009; Reference Raposo and TogniRaposo e Togni 2009; Reference Riaño and BaghdadiRiaño e Baghdadi 2007; Reference RocaRoca 2009; Reference Thai and ConstableThai 2005; Reference Yeoh, Leng and DungYeoh, Leng e Dung 2013) e que, no caso brasileiro, não deixa de ser revelador da hegemonia da sua imagem de nação feminina sexualizada de que se falava atrás. Na inserção específica de Natal nas dinâmicas matrimoniais globais destaca-se, como seria de esperar, a presença de mulheres do Estado do Rio Grande do Norte (73,5 por cento nos registos e 75,9 por cento nas transcrições), maioritariamente naturais da área metropolitana natalense (64,9 por cento e 70,6 por cento). A percentagem daquelas que são oriundas de outros Estados não deixa, contudo, de ter uma expressão considerável. Em boa medida, este facto compreende-se se considerarmos que a região, pelo seu potencial turístico, funciona como polo de atração de fluxos migratórios internos, consideravelmente feminizados, para atividades formais e informais ligadas ao turismo.Footnote 8

O continente europeu é a referência cimeira dos casamentos transnacionais de cidadãs brasileiras registados nos notários de Natal, sobressaindo manifestamente os países mediterrânicos, com especial destaque para a Itália. É destes mesmos países que provém a larga maioria dos fluxos turísticos internacionais para Natal e, mais em concreto, para Ponta Negra (Reference SacramentoSacramento 2018). Aliás, é precisamente nestes fluxos que se encontra a génese de bastantes casos de aliança no espaço transatlântico (Reference SacramentoSacramento 2016a). Centrando-se apenas no padrão matrimonial de género-nacionalidade mais recorrente (mulher brasileira e homem estrangeiro), o Quadro 1 mostra-nos claramente a Europa como a geografia preferencial da transnacionalização do mercado matrimonial natalense.

Quadro 1 Geografia dos casamentos transnacionais de cidadãs brasileiras em Natal.

Considerando o conjunto dos países de origem dos maridos, as nacionalidades europeias representam 85,3 por cento nos registos de casamentos realizados em Natal e 92,7 por cento nas transcrições de núpcias fora do Brasil.Footnote 9 No primeiro caso, os italianos representam 27,2 por cento da totalidade dos cônjuges estrangeiros, seguindo-se os portugueses (15,1 por cento), os espanhóis (10,1 por cento), os noruegueses (6,9 por cento) e os holandeses (6,2 por cento), claramente à frente de norte-americanos (3,9 por cento)—apesar da forte ligação histórica da cidade aos EUA desde a Segunda Guerra Mundial—e de nacionais de países próximos como a Argentina (2,4 por cento) ou o Chile (1,2 por cento). No segundo caso, um cenário idêntico, repetindo-se a ordem anterior dos três primeiros lugares, respetivamente com 33,7 por cento, 14,4 por cento e 11,4 por cento, seguindo-se os alemães (9 por cento) e os noruegueses e suecos, ambos com 6 por cento.

Do lado da Europa, nos dados estatísticos nacionais relativos a casamentos binacionais nos três países (Itália, Portugal e Espanha) mais representados nos assentos matrimoniais de Natal, encontramos uma situação convergente: a nacionalidade brasileira é das mais representadas no conjunto das escolhas matrimoniais masculinas que não contemplam parceiras nacionais. Em 2011, dos 14.799 italianos envolvidos em matrimónios binacionais, 7,6 por cento casaram com brasileiras (Istituto Nazionale di Statistica, ISTAT, 2012). Também em 2011, no total de 15.001 casamentos de homens espanhóis com cônjuges estrangeiras, 10,7 por cento destas eram de nacionalidade brasileira (Instituto Nacional de Estadística, INE-Espanha 2012). Nesse mesmo ano, 2.764 portugueses desposaram mulheres de outros países, 57,1 por cento das quais oriundas do Brasil (Instituto Nacional de Estatística, INE-Portugal 2013). Nos três casos, o número de casamentos em que a esposa é brasileira ocupa sempre posição de grande relevo: o terceiro lugar em Itália, a seguir às alianças com romenas e ucranianas; o primeiro lugar em Espanha, ultrapassando mesmo o número de matrimónios com mulheres colombianas e dominicanas; o primeiro lugar no caso português, de forma bastante destacada.Footnote 10

A forte presença das mulheres brasileiras no âmbito dos casamentos binacionais envolvendo cidadãos europeus tem sido objeto de análise em diversos trabalhos de investigação (Reference AssunçãoAssunção 2013; Reference Checa and ArjonaCheca e Arjona 2017; Reference PiscitelliPiscitelli 2009; Reference Raposo and TogniRaposo e Togni 2009; Reference RocaRoca 2013; Reference Schuler and DiasSchuler e Dias 2014; Reference TedescoTedesco 2014). A sua inserção em mercados matrimoniais transnacionais pode, em larga medida, ser entendida à luz dos aspetos histórico-culturais e, em particular, do quadro estrutural de fronteiras identitárias e de sedução, debatidos na secção anterior. Por outro lado, é importante ter em conta que esta mesma transnacionalização feminizada da aliança no Brasil é indissociável dos fluxos turísticos externos masculinizados que o país tem recebido no quadro do chamado “turismo sexual” (Reference Blanchette, Piscitelli, Assis and OlivarBlanchette 2011; Reference Carrier-MoisanCarrier-Moisan 2012; Reference SacramentoSacramento 2018; Reference WilliamsWilliams 2013), da expansão das chamadas “economias sexuais” e da sua densa imbricação em circuitos internacionais de aliança (Reference Padilla, Hirsch, Muñoz-Laboy, Parker and SemberPadilla et al. 2007b; Reference PiscitelliPiscitelli 2009, Reference Piscitelli2016), e da feminização da pobreza e das migrações para os países do Norte, nomeadamente para a realização de atividades no âmbito do trabalho reprodutivo (Reference Carpenedo and NardiCarpenedo e Nardi 2013; Reference Wall and NunesWall e Nunes 2010).

Diferenciais etários, trajetos de conjugalidade e posições socioprofissionais

Os dados totais dos dois segmentos de assentos matrimoniais em análise evidenciam um padrão de idades marcado pela relativa disparidade etária entre os cônjuges. A média de idades dos homens é de 42,4 anos e a das mulheres é de 31 anos, o que perfaz uma diferença de 11,4 anos, em linha, por exemplo, com o que foi constatado por Jones (Reference Jones2012b) para os casamentos transnacionais no Sudeste Asiático. Quando considerados apenas os casais constituídos por europeus e brasileiras, a divergência é ligeiramente menor: as médias situam-se nos 41,9 e 31,6 anos, respetivamente. No Brasil parece existir uma considerável aceitação social das diferenças de idades entre cônjuges (Reference Knauth, Victora, Leal, Fachel, Heilborn, Aquino, Bozon and KnauthKnauth et al. 2006). Em Ponta Negra pude constatar que os parceiros com mais dez, quinze ou até vinte anos são considerados por muitas mulheres como mais seguros e mais tranquilos. São percebidos como pessoas que, em princípio, lhes proporcionarão uma garantia acrescida de companheirismo e fidelidade, estabilidade económica e familiar, e maiores possibilidades de ascensão social.

Algumas, através de uma retórica de desvalorização dos aspetos materiais, justificam a sua predileção por coroas como uma mera questão de atração: “Sempre me atraiu homem mais velho, ou seja, me atrai muito homem mais velho! Não por ser estrangeiro ou por ter dinheiro, mas pela atração mesmo!” (brasileira, 34 anos, ex-garçonete, dois filhos). Embora não exclusivo ou não assumido, o elemento económico é uma importante referência na definição das preferências femininas por companheiros mais velhos; tal como os recursos estéticos e a própria juventude são elementos fundamentais na definição das preferências masculinas por mulheres mais novas. Devemos, porém, evitar uma análise fundada na rígida oposição conceptual entre o dinheiro e o amor/sexo. Nestas e na generalidade das configurações de intimidade, os interesses materiais e os desejos sentimentais e erótico-sexuais cruzam-se densamente, deixando patente as complexas imbricações da economia e da intimidade (Reference AdelmanAdelman 2011; Reference Rebhun and PadillaRebhun 2007; Reference ZelizerZelizer 2005).

Por vezes existe um encorajamento social explícito e direto da procura do coroa para parceiro, em especial do coroa europeu, pois, além de imaginado como afluente, é de nacionalidade atrativa e corporiza conceções culturais de “raça” valorizadas.Footnote 11 Num caso que segui em Ponta Negra, a intermediação persuasiva de uma avó junto da neta, na casa dos 20 anos, para que namorasse um turista português de 71 anos, foi o que impulsionou o relacionamento de ambos. Como é óbvio, a influência social na definição das preferências etárias subjacentes à eleição da pessoa para partilhar a intimidade não se manifesta somente sobre as mulheres. Não podemos esquecer que a propensão masculina para escolher companheiras mais novas é configurada pelos valores hegemónicos da masculinidade e por determinadas conceções culturais da sexualidade, como se pode depreender do discurso do tal turista português de 71 anos: “A mulher nova está em brasa e a mulher velha está ali … o calor é pouco e a máquina não dá para ela arrancar. Não arranca mesmo. Não arranca nem a dela nem a do homem! Se ela estiver mais ou menos arranca, se não estiver não arranca”. As preferências masculinas por mulheres mais jovens e as femininas por homens mais velhos representam uma tendência com considerável expressão mundial, que se acentua em sociedades onde os valores patriarcais estão mais enraizados (Reference BossenBossen 1988; Fitzgerald in Reference Thai and ConstableThai 2005; Reference VeeversVeevers 1988; Reference WangWang 2007). Deste modo, tendo em conta que o diferencial etário no seio dos casais euro-brasileiros, embora relevante, não é propriamente extraordinário e não andará longe do que acontece noutras geografias e circunstâncias sociais, importa relativizar e colocar em perspetiva o comum estereótipo (e estigma) do velho europeu casado com a menina brasileira.

A diferença de idades é, desde logo, um aspeto a ter em conta para perceber uma outra disparidade, ainda que não muito expressiva, no que diz respeito ao estado civil de cada consorte imediatamente antes do enlace conjugal. Como se pode depreender do Quadro 2, em média mais velhos, os homens que chegam ao casamento como solteiros são menos do que as mulheres com igual estado civil. Por outro lado, a proporção daqueles que até então estavam divorciados ou viúvos é maior.

Quadro 2 Estado civil anterior ao casamento.

Tendo em conta apenas os dados dos matrimónios transnacionais realizados em Natal,Footnote 12 e não fazendo qualquer distinção segundo o eixo género-nacionalidade, pois as diferenças estatísticas são de apenas algumas décimas, a percentagem de homens solteiros situa-se na ordem dos 69 por cento, a de divorciados nos 28,5 por cento e a de viúvos nos 2,5 por cento, enquanto que a de mulheres solteiras ronda os 80 por cento, a de divorciadas os 19,5 por cento e a de viúvas os 0,5 por cento. Apesar de menor, a proporção de homens solteiros não deixa de ser significativa, atendendo a que, em média, eles têm cerca de dez anos a mais do que as suas parceiras. Esta persistência do celibato em idades a rondar os quarenta–cinquenta anos é sintomática das mudanças em curso dos padrões de conjugalidade nos países de onde estes homens são maioritariamente provenientes, sobretudo a opção por modelos não maritais de convivência conjugal e o matrimónio tardio (Reference AboimAboim 2004; Reference Billari and RosinaBillari e Rosina 2007; Reference Torres and RossieTorres 2003). A forma perentória do discurso de dois espanhóis sobre o casamento como mera possibilidade para um horizonte relativamente distante evidencia a normatividade social que a prorrogação da condição celibatária vai assumindo na Europa: “Não, não vou casar! Nem brasileira, nem espanhola, nada! Só ‘amizades coloridas’. Bom … digo-te isto agora, mas talvez depois de seis ou sete anos não sei” (26 anos, turista); “De momento, eu não quero casar-me, nem ter filhos, nem nada! Mas eu acho que, daqui a alguns anos, pode ser, mas agora não!” (24 anos, pequeno empresário em Natal).

Mais do que a idade ou o estado civil prévio, a profissão é a esfera onde se manifestam as diferenças mais relevantes nos casamentos transnacionais em análise. Do lado masculino do casal, mais de metade do total de cônjuges que constam nos registos e transcrições matrimoniais tem ocupações que, em proporções semelhantes, se inscrevem num ou noutro dos três grupos de atividades seguintes, segundo a tipologia de Costa e colegas (Reference Costa, Mauritti, Martins, Machado and de Almeida2000)Footnote 13: profissionais técnicos e de enquadramento (funcionários qualificados), empregados executantes (assalariados do comércio e serviços) e trabalhadores independentes (trabalhadores por conta própria em atividades secundárias e terciárias).Footnote 14 Abaixo deste trio mais representado seguem-se, relativamente próximos, os grupos dos empresários, dirigentes e profissionais liberais (v.g., grandes empresários, administradores, advogados) e dos operários (v.g., metalúrgicos, camionistas, mecânicos). Com uma expressão residual, menos de uma dezena de indivíduos desempenha atividades ligadas ao sector primário (agricultura, pescas). Por último, é de referir a inexistência de registos de desempregados e ainda o facto de quase meia centena não desempenhar qualquer função profissional: dezena e meia é estudante (cerca de metade europeus) e mais de três dezenas são aposentados, quase todos europeus. Em clara dissonância face a este cenário, nas três atividades mais recorrentes entre as esposas destes homens temos as profissões que exercem como empregadas executantes (v.g., garçonetes, rececionistas) e as funções não profissionais como domésticas (do lar, segundo os registos) e estudantes. Em conjunto, estas três ocupações dizem respeito a quase dois terços das mulheres que constam na totalidade dos assentos conjugais aqui considerados. Seguem-se as atividades mais qualificadas como profissionais técnicas e de enquadramento (v.g., professoras, enfermeiras) e as trabalhadoras independentes (autônomas, v.g., esteticistas, artesãs). Com uma preponderância bastante menor surgem as empresárias, dirigentes e profissionais liberais e, por último, as operárias e as aposentadas.

A comparação das profissões dos cônjuges permite identificar padrões genéricos, nos quais ganha forma um contraste evidente: os maridos, na sua esmagadora maioria europeus, estão mais associados a ocupações qualificadas e melhor remuneradas do que as esposas. Mesmo nos casos em que as atividades são semelhantes, o ordenado acaba por ser condicionado em função da nacionalidade e, eventualmente, do género. Na Europa e desempenhadas por homens, essas atividades são, em princípio, recompensadas com salários mais elevados do que no Brasil e realizadas por mulheres. As diferenças nas situações laborais de uns e de outras indiciam que, à data do matrimónio, os cônjuges masculinos ocupavam, de um modo geral, posições socioprofissionais mais favoráveis do que as das suas consortes ou, pelo menos, beneficiavam de maiores remunerações pelas funções exercidas. Poder-se-ia, assim, assumir a ideia de um padrão de conjugalidade hipergâmico, no qual as mulheres asseguram, através do casamento transnacional, significativa mobilidade social ascendente. Contudo, esta não é propriamente uma situação linear, como veremos já de seguida.

Hipergamia ambígua

A alteridade e as assimetrias constituem a grande marca estrutural da maioria das paisagens transnacionais de aliança: homens brancos dos países ricos do Norte, de classe média e com alguma capacidade económica; mulheres negras, mestiças ou orientais dos países do Sul, de classe baixa e economicamente vulneráveis. A estes contrastes juntam-se muitos outros que remetem para as fronteiras da pertença cultural de ambas as partes. O resultado, como conclui Cohen (Reference Cohen, Bauer and McKercher2003), são formas de aliança marcadas por uma vincada heterogamia, ou seja, por grandes dissemelhanças culturais entre os cônjuges, resultantes da emergência de um mercado matrimonial global, impulsionado pela crescente agilização dos processos de circulação de pessoas, de comunicação e de construção da intimidade no atual estádio de globalização.

As diferenças entre os esposos, nomeadamente aquelas que se traduzem em desigualdades socioeconómicas, poderão atenuar-se com o casamento, proporcionando uma significativa ascensão social das mulheres pobres do Sul. Mas nem sempre assim sucede. Atendendo a que, na maioria dos casos, os matrimónios transnacionais pressupõem mobilidade migratória feminina, importa ter sempre em linha de conta o posicionamento social no contexto de origem e de acolhimento. Desta forma, Piscitelli (Reference Piscitelli2007, 738–739) refere-se a duas situações claramente distintas: (1) a das migrantes brasileiras de estratos sociais baixos casadas com italianos no quadro do chamado turismo sexual, que, apesar de limitadas a empregos precários na Itália, viram a sua condição socioeconómica melhorar face ao que era a sua anterior situação no Brasil; (2) a das migrantes brasileiras de classe média sem possibilidade de aceder a um emprego condizente com a sua formação académica/profissional. Para as primeiras o matrimónio é hipergâmico. Para as segundas, hipogâmico; à semelhança do que é descrito por Thai (Reference Thai and Constable2005) para as mulheres vietnamitas com elevado capital escolar casadas com homens americanos de baixa renda. O acesso a contextos cimeiros de uma hierarquia espacial global nem sempre é acompanhado pela ascensão nas escalas de prestígio da sociedade de origem ou da sociedade de acolhimento.

Além dos aspetos económicos, é forçoso não esquecer os demais elementos que entram no complexo jogo da distinção (Reference BourdieuBourdieu 1979/2007) e, dessa forma, partir do princípio enunciado por Constable (Reference Constable2005) de que a mobilidade social (ascendente, descendente ou lateral) no contexto da transnacionalização matrimonial é potencialmente paradoxal, dependendo dos critérios (e escalas) que considerarmos (v.g., educação, estilo de vida, nacionalidade, etnicidade). À partida, ao pressuporem, predominantemente, deslocações femininas de países do Sul para países mais prósperos do Norte, como acontece entre o Brasil e a Europa, os casamentos transnacionais dão forma a um padrão de “hipergamia global” (Reference ConstableConstable 2005) que remete para as diferentes posições desses mesmos países no sistema económico e geopolítico mundial.Footnote 15 Descendo, no entanto, a uma escala mais circunscrita, a do casal propriamente dito, podemos constatar que a hipergamia não é assim tão inquestionável e comporta algumas ambiguidades.

As informações documentais dos assentos nupciais que recolhi nos cartórios de Natal, articuladas com os elementos resultantes da observação participante, mostram uma tendência genérica de hipergamia feminina que é permeada, no entanto, por casos e circunstâncias dissonantes. Ponderemos os dois lados da questão. Por um lado, a maioria das jovens mulheres que conheci em Ponta Negra debate-se com um amplo e severo leque de constrangimentosFootnote 16 e, em princípio, encontra no casamento com o europeu—mesmo que este não seja abastado—e na deslocação para a Europa oportunidades efetivas para melhorar as suas condições de vida. Se olharmos para o caso da Roseleine (28 anos, três filhos), desempregada e desesperada quando a encontrei em Ponta Negra, em 2010, e agora casada com um sueco, “muito bem e morando na Suécia” (em alguns períodos do ano), e “fazendo faculdade de Direito” numa universidade privada de Natal—como me confidenciou um par de anos mais tarde através do Facebook—não é difícil imaginar o quanto a sua vida terá mudado para melhor. Para esta mulher, tal como para muitas outras das classes populares, o matrimónio representa, aliás, uma espécie de salvaguarda social (Reference Bawin-LegrosBawin-Legros 2004; Reference NériNéri 2005), mormente se o cônjuge pertencer a uma geografia associada à modernidade (Reference Mapril, Carmo, Melo and BlanesMapril 2008) e à prosperidade como é a Europa.

Se é certo que a conjugalidade transnacional, sobretudo se considerarmos as condições materiais, tende a proporcionar possibilidades de ascensão social às mulheres natalenses, por outro lado não podemos negligenciar que esta tendência hipergâmica é relativa, coexistindo com situações que a atenuam ou, inclusive, a contrariam. Vejamos, sucintamente, algumas destas situações: (1) desde logo, o facto de em alguns casos, ainda que não muitos, as mulheres possuírem elevado capital escolar e exercerem no Brasil profissões tão ou mais qualificadas e prestigiadas do que as dos seus maridos europeus;Footnote 17 (2) a frequente desvalorização da sua qualificação no mercado laboral europeu e a redução da emancipação socioprofissional quando se deslocam para os países dos cônjuges;Footnote 18 (3) a estigmatização a que o casamento com o estrangeiro tende a sujeitar muitas mulheres—sobretudo as mais pobres e que corporizam a representação da mulata, socialmente conotadas com a prostituição—, quer nos lugares de proveniência, quer nos de acolhimento migratório; (4) a distância face à generalidade dos elementos (familiares e amigos) da rede social de apoio, sempre que o casamento implica a mobilidade feminina, e as possíveis vulnerabilidades associadas a essa situação, como também se pode constatar no trabalho de Yeoh, Leng e Dung (Reference Yeoh, Leng and Dung2013) sobre matrimónios entre mulheres vietnamitas e homens de Singapura; (5) a não concretização da alegada prosperidade, estilo de vida e modernidade de género do marido; (6) a forte suspeição social, controlo e discriminação legal que, por vezes, recaem sobre os casamentos binacionais (Reference BrettellBrettell 2017; Reference Roca, Anzil and YzusquiRoca, Anzil e Yzusqui 2017); (7) o predomínio de regimes patrimoniais de aliança (ver Quadro 3), como a comunhão parcial de bens e a separação total de bens, que não as beneficia significativamente em caso de divórcio e que, em boa medida, contraria o estereótipo do matrimónio com o europeu como golpe do baú, projetado de forma estigmatizante sobre a generalidade das mulheres.

Quadro 3 Regimes patrimoniais dos casamentos entre brasileiras e europeus realizados e transcritos em Natal.

No conjunto dos assentos matrimoniais entre mulheres brasileiras e homens europeus oficiados e transcritos em Natal, 66,3 por cento seguem o regime padrão, a comunhão parcial de bens (divisão equitativa do que foi adquirido e partilhado durante o casamento), e 30,3 por cento a separação total de bens (cada cônjuge fica com o património de que é titular). Somente 3,1 por cento dos casais estão abrangidos pela comunhão universal de bens (divisão igualitária da totalidade dos bens do casal, anteriores ou posteriores ao casamento) e 0,3 por cento pela modalidade da participação final nos aquestos (não há comunhão patrimonial durante o casamento. Só após a separação se procede à meação dos bens adquiridos). A comunhão universal, em princípio o regime que mais beneficiaria a generalidade das esposas na partilha de bens, é quase residual. Em contrapartida, a separação total, teoricamente o mais desfavorável, tem uma expressão muito relevante, o que se explica, em parte, pelo facto de estes casamentos envolverem um número não muito comum de cônjuges com mais de 60 anos, limite a partir do qual o Código Civil Brasileiro estipula como obrigatório aquele regime patrimonial (Reference LevyLevy 2009).

As muitas situações que constrangem o potencial hipergâmico da aliança transatlântica, inviabilizando as possibilidades de mobilidade social ascendente das esposas brasileiras, representam um foco de instabilidade no seio do casal e podem mesmo ditar a sua rutura. A mobilidade migratória feminina para a Europa que, frequentemente, o casamento transatlântico pressupõe, pode contribuir por si só e de forma decisiva para a amplificação desta instabilidade conjugal. Não podemos esquecer que estas e a generalidade das migrações são alimentadas por muitas e elevadas expectativas e implicam o afastamento da família e de quase tudo a que se está acostumado, exigindo, por isso, retornos manifestamente compensatórios.

Considerações finais

Seja por razões históricas, socioeconómicas e/ou de proximidade, os casamentos entre pessoas de diferentes países tendem a organizar-se segundo geografias e nacionalidades preferenciais e dão forma a campos matrimoniais que os processos de globalização têm ajudado a expandir (Reference Niedomysl, Östh and van HamNiedomysl, Östh e Ham 2010), tendo como pano de fundo as desigualdades estruturais que caracterizam o actual sistema-mundo. O campo transatlântico euro-brasileiro, como vimos para o caso de Natal, é um exemplo paradigmático de configurações de aliança espacial e culturalmente extensivas, assentes numa exogamia transversal e cumulativa decorrente da transgressão de fronteiras político-administrativas (borders), socioculturais e identitárias (boundaries). Esta paisagem conjugal diversificada e distendida é, intrinsecamente, marcada pela conjugação e confrontação de múltiplos eixos de alteridade (género, nacionalidade, sexualidade, “raça”, etnicidade, classe), evidenciando determinadas lógicas e recorrências que compõem um padrão de aliança de perfil heterogâmico. A larga maioria dos casamentos transnacionais no contexto natalense ocorre entre homens europeus de classe média e mulheres brasileiras de classes populares. Além deste contraste, uns e outras manifestam disposições culturais, estilos de vida e conceções de intimidade consideravelmente distintas.

Mais do que um fator de clivagem, as demarcações de identidade funcionam, neste caso, como diferenças indutoras de fascínio e atração, envolvendo de parte a parte a articulação de diversos desejos, aspirações e interesses segundo geometrias variáveis, que nos mostram, amiúde, as complexas agregações do amor, da sexualidade e da economia. Os anseios recíprocos impulsionados pela alteridade têm a sua arqueologia na longa história colonial e pós-colonial de produção de identidades entre os dois lados do Atlântico, nomeadamente as noções dos trópicos como terras de sensualidade—no feminino, através da figura icónica da mulata—e da Europa como geografia de afluência e modernidade. Ancorado neste fermento histórico de representações mútuas, o desejo do “outro”, da outra margem, gera disposição para cruzar distâncias e fronteiras, contrariando tendências sociais endogâmicas e homogâmicas—sinalizadas nas formulações ideológicas de vários adágios populares brasileiros e europeusFootnote 19—que, apesar de tudo, terão sido mais vincadas em tempos idos.

As diferenças e desigualdades inerentes à generalidade dos matrimónios entre europeus e brasileiras suscitam, no imediato, a ideia de que as últimas serão as principais beneficiadas, sobretudo do ponto de vista económico, com a constituição de vínculos de aliança transnacionais. Porém, como foi possível constatar, esta hipergamia feminina não é assim tão taxativa, podendo ser obstada de forma mais ou menos acentuada, muito em particular nos casos em que o casamento implica a migração feminina para a Europa. O constrangimento das possibilidades de ascendência social e da concretização das muitas fascinações que, à partida, estão inscritas no leque de expectativas subjacentes ao casamento com o europeu pode gerar dissonâncias e desilusões que culminam em rutura matrimonial. No entender de vários autores, esta rutura será, acima de tudo, fomentada pela acentuada heterogamia que caracteriza a generalidade dos matrimónios transnacionais, suscitando vários desafios culturais de adaptação e convivência dos cônjuges (Reference Milewski and KuluMilewski e Kulu 2014; Reference Smith, Maas and van TubergenSmith, Maas e Tubergen 2012). Porém, à luz do que foi debatido, é forçoso não esquecer que as fronteiras culturais e identitárias subjacentes ao perfil heterogâmico destes matrimónios constituem potenciais eixos de atração e desejo. Assim, mais do que responsabilizar, estritamente, a alteridade per se como fator de dissolução conjugal, talvez seja pertinente considerar a maior ou menor divergência das expectativas recíprocas que presidem ao casamento (e, em muitos casos, à migração) em relação às vivências quotidianas do casal. Independentemente da perspetiva, este exercício de compreensão dos cenários de separação e divórcio no âmbito dos casamentos transatlânticos representaria um interessante prolongamento e complemento da discussão aqui travada em torno do quadro sociocultural constitutivo desses mesmos casamentos.

Agradecimentos

O meu reconhecimento, em primeiro lugar, à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal), pela bolsa de doutoramento SRFH/BD/60862/2009 para o trabalho de campo realizado no Brasil e na Europa. Estendo os agradecimentos ao Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD-UTAD), entidade financiada por fundos nacionais através da FCT no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2020, e ao Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), instituição financiada pela FCT no quadro do projeto UIDB/04038/2020.

Sobre o autor

Octávio Sacramento é doutorado em Antropologia pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Exerce funções docentes, como professor auxiliar, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD, Vila Real, Portugal). É investigador efetivo no Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD-UTAD) e colaborador no Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). As mobilidades internacionais (turísticas e migratórias) e as configurações transnacionais de intimidade, em especial no espaço Atlântico, estão entre os seus principais interesses de investigação.

Footnotes

1 Veja-se Sacramento (Reference Sacramento, Martins and Mendes2016b) para aceder a uma descrição pormenorizada dos aspetos metodológicos da pesquisa empírica.

2 O facto de ter estipulado um horizonte temporal menor para este último segmento ficou a dever-se, exclusivamente, a razões operacionais. Como as transcrições estavam todas concentradas no cartório de Cidade Jardim, com um espaço exíguo e sempre a fervilhar de utentes, o trabalho de recolha de dados nos livros de registo de casamentos estava a tornar-se ainda mais moroso que o habitual e a interferir insustentavelmente no funcionamento do serviço. Optei, então, por circunscrever a pesquisa a um período de tempo menor.

3 Na sua perspetiva confere especial destaque à nacionalidade, afirmando que “no lugar desigual atribuído ao Brasil no âmbito global, a nacionalidade brasileira, mais do que a cor da pele, confere-lhes essa condição [mulheres mestiças ou mulatas]. E essa racialização é sexualizada” (Reference PiscitelliPiscitelli 2008, 269).

4 Nesta esfera mais privada e pessoal uso a expressão “micropolíticas da intimidade” para fazer referência à gestão de espaços relacionais íntimos, mediante recurso a opções, negociações e estratégias que interpelam fronteiras e dimensões sociais fortemente politizadas nos debates e confrontações ideológicas que têm lugar no espaço público. Ainda que nem sempre com este sentido específico, conceitos próximos são usados por Cline (Reference Cline1989), Hong (Reference Hong2012) e Jamieson (Reference Jamieson2000).

5 De acordo com Piscitelli (Reference Piscitelli2008), estas assimetrias podem expressar-se em fronteiras etno-sexuais, sendo a subalternidade do Brasil culturalmente traduzida por via da intersecção de várias categorias de diferenciação. Na sua perspectiva, este processo constitui um dos aspetos mais determinantes na inserção das mulheres brasileiras nos mercados globais do trabalho, do sexo e do matrimónio.

6 À luz das quais se processa o fascínio erótico-sexual do homem branco ocidental pela mulher mestiça dos trópicos e vice-versa.

7 À escala nacional a tendência é semelhante, todavia com uma diferença menor. Em 2011, no Brasil, num total de 7.664 casamentos binacionais, 74,2 por cento realizaram-se entre cidadãs nacionais e cônjuges de outros países e 25,8 por cento entre homens brasileiros e mulheres de nacionalidade distinta (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE 2012). O facto de Natal ser um contexto onde os fluxos turísticos estrangeiros têm uma significativa presença de homens e, por outro lado, a sua relevância enquanto lugar de origem de mobilidades femininas internacionais ajudam, certamente, a perceber a maior percentagem de casamentos transnacionais em que o noivo é estrangeiro face ao total nacional.

8 A título de exemplo, são bastantes as mulheres que, de forma sazonal, se deslocam algumas centenas de quilómetros de cidades como João Pessoa (Paraíba), Recife (Pernambuco), ou de outras ainda mais longínquas, na expectativa de encontrar turistas estrangeiros em Natal para programas (trabalho sexual) e, eventualmente, para casar e emigrar.

9 Em claro contraste, a proporção de mulheres europeias casadas com brasileiros é de apenas 3,4 por cento e de 5,6 por cento, respetivamente.

10 Mais uma vez em acentuado contraste de género, são bem menos as mulheres mediterrânicas a casar com homens estrangeiros. Com brasileiros, em 2011, fizeram-no 3,1 por cento das italianas (ISTAT 2012), 2,7 por cento das espanholas (INE-Espanha 2012) e 25,5 por cento das portuguesas (INE-Portugal 2013) que contraíram matrimónio binacional.

11 Referindo-se às fantasias sobre o coroa entre as black cinderellas da favela da Felicidade Eterna (Rio de Janeiro), Goldstein (Reference Goldstein2003, 109) conclui que estas mulheres “acreditam que uma das melhores oportunidades para ‘melhorarem’ reside nas suas habilidades para seduzirem homens mais velhos, ricos e brancos, aos quais se referem como coroas”.

12 Não são consideradas aqui as transcrições de casamentos realizados no estrangeiro porque a esmagadora maioria não faz referência ao estado civil anterior dos cônjuges.

13 Trata-se de uma tipologia utilizada no âmbito da análise de processos de recomposição social em países da União Europeia, na qual se incluem sete grandes categorias socioprofissionais: empresários, dirigentes e profissionais liberais (cume da hierarquia da distribuição dos recursos, poder e estatuto social), profissionais técnicos e de enquadramento (classe média assalariada, qualificada e situada em posições hierárquicas intermédias das organizações), trabalhadores independentes (titulares de pequenas atividades pertencentes aos sectores secundário e terciário), agricultores independentes (detentores da sua própria exploração agrícola), empregados executantes (funcionários assalariados do comércio e serviços), operários industriais (empregados fabris, oficinais e do ramo dos transportes), assalariados agrícolas (trabalhadores por conta de outrem na agricultura) (Reference Costa, Mauritti, Martins, Machado and de AlmeidaCosta et al. 2000).

14 Opto por não enveredar por uma quantificação percentual estrita destes grupos profissionais, pois a indicação de algumas profissões nos assentos conjugais é algo vaga e ambígua, como é o caso de empresário. Perante esta designação fica a dúvida se a pessoa em causa é um microempresário, enquadrável na categoria dos trabalhadores por conta própria, ou um empresário com maior dimensão económica, a considerar num outro grupo de atividades.

15 Também designada por “hipergamia espacial global” (Reference KimKim 2010) ou “hipergamia geográfica” (Reference KofmanKofman 2012).

16 Tais como baixa escolaridade, desemprego, empregos precários e mal remunerados, encargos com os filhos e outros parentes, valores de género patriarcais, etnicidade e estilos de vida desvalorizados e até estigmatizados.

17 Considerando a totalidade de casais euro-brasileiros referenciados nos registos e transcrições matrimoniais, 6,5 por cento das esposas têm uma profissão claramente mais qualificada do que a dos respetivos consortes.

18 Como concluem Maffioli, Paterno, Gabrielli (Reference Maffioli, Paterno and Gabrielli2013) e Guetto (Reference Guetto2015) para a Itália, Lima e Togni (Reference Lima and Togni2012) para o contexto português, e Roca (Reference Roca2016) para a Espanha.

19 Alguns exemplos expressivos: “Casamento de importação é de pouca duração”; “Coelho casa com coelha e não com ovelha”; “Casar e compadrar, cada um com seu igual”; “El que va a casar fuera de su lugar, o va engañado o va a engañar”; “Moglie e buoi dei paesi tuoi” (Mulher e bois do teu país); “Se queres bem casar, casa com teu igual”.

References

Referências

Aboim, Sofia. 2004. Conjugalidades em mudança. Percursos, orientações e dinâmicas da vida a dois. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.Google Scholar
Adelman, Miriam. 2011. “Por amor ou por dinheiro? Emoções, discursos, mercados”. Contemporânea: Revista de Sociologia da UFSCar 1 (2): 117138.Google Scholar
Al-Sharmani, Mulki, Tiilikainen, Marja, e Mustasaari, Sanna. 2017. “Transnational Migrant Families: Navigating Marriage, Generation and Gender in Multiple Spheres”. Migration Letters 14 (1): 110. DOI: 10.33182/ml.v14i1.311CrossRefGoogle Scholar
Alvarez, Robert. 1995. “The Mexican-US Border: The Making of an Anthropology of Borderlands”. Annual Review of Anthropology 24. 447470. DOI: 10.1146/annurev.an.24.100195.002311CrossRefGoogle Scholar
Assunção, Viviane. 2013. “Casamentos entre brasileiras e holandeses: Considerações sobre o papel dos filhos nos processos de decisão sobre migrar ou retornar para o país de origem”. Leopoldianum 39 (107–109): 4968.Google Scholar
Bawin-Legros, Bernadette. 2004. “Intimacy and the New Sentimental Order”. Current Sociology 52 (2): 241250. DOI: 10.1177/0011392104041810CrossRefGoogle Scholar
Bhabha, Homi. 1994. The Location of Culture. Londres: Routledge.Google Scholar
Billari, Francesco, e Rosina, Alessandro. 2007. “Famiglia e vita di coppia oggi in Italia”. Em Personal manager: L’economia della vita quotidiana. La famiglia, vol. 4, editado por AAVV, 151183. Milão: Università Bocconi Editore.Google Scholar
Blanchette, Thaddeus. 2011. “‘Fariseus’ e ‘gringos bons’: Masculinidade e turismo sexual em Copacabana”. Em Gênero, sexo, afetos e dinheiro: Mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil, editado por Piscitelli, Adriana, Assis, Gláucia, e Olivar, José, 57102. Campinas: Unicamp/Pagu.Google Scholar
Bossen, Laurel. 1988. “Toward a Theory of Marriage: The Economic Anthropology of Marriage Transactions”. Ethnology 27 (2): 127144. DOI: 10.2307/3773624CrossRefGoogle Scholar
Bourdieu, Pierre. (1979) 2007. A distinção: Crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk.Google Scholar
Brah, Avtar. 2006. “Diferença, diversidade, diferenciação”. Cadernos Pagu 26. 329365. DOI: 10.1590/S0104-83332006000100014CrossRefGoogle Scholar
Brah, Avtar, e Phoenix, Ann. 2004. “Ain’t I a Woman? Revisiting Intersectionality”. Journal of International Women’s Studies 5 (3): 7586.Google Scholar
Brettell, Caroline. 2017. “Marriage and Migration”. Annual Review of Anthropology 46. 8197. DOI: 10.1146/annurev-anthro-102116-041237CrossRefGoogle Scholar
Cabezas, Amália. 2004. “Between Love and Money: Sex Tourism and Citizenship in Cuba and the Dominican Republic”. Signs: Journal of Women in Culture and Society 29 (4): 9871015. DOI: 10.1086/382627CrossRefGoogle Scholar
Campbell, Howard. 2007. “Cultural Seduction: American Men, Mexican Women, Cross-Border Attraction”. Critique of Anthropology 27 (3): 261283. DOI: 10.1177/0308275X07080356CrossRefGoogle Scholar
Carpenedo, Manoela, e Nardi, Henrique. 2013. “Mulheres brasileiras na divisão internacional do trabalho reprodutivo: Construindo subjetividades”. Revista de Estudios Sociales 45. 96109. DOI: 10.7440/res45.2013.08CrossRefGoogle Scholar
Carrier-Moisan, Marie-Eve. 2012. “Gringo Love: Affect, Power, and Mobility in Sex Tourism, Northeast Brazil”. Tese de doutorado, University of British Columbia, Canada.Google Scholar
Charsley, Katharine. 2013. Transnational Marriage: New Perspectives from Europe and Beyond. Nova Iorque: Routledge. DOI: 10.4324/9780203111772CrossRefGoogle Scholar
Checa, Juan, e Arjona, Ángeles. 2017. “Uniões binacionais entre espanhóis e brasileiros em Espanha”. Sociologia, Problemas e Práticas 85. 6787. DOI: 10.7458/SPP2017855043Google Scholar
Chung, Chinsung, e Kim, Keuntae. 2016. “Social Attitudes to Cross-Border Marriages in Korea and Taiwan”. Development and Society 45 (2): 327352. DOI: 10.21588/dns.2016.45.2.006CrossRefGoogle Scholar
Cline, Rebecca. 1989. “The Politics of Intimacy: Costs and Benefits Determining Disclosure Intimacy in Male-Female Dyads”. Journal of Social and Personal Relationships 6 (1): 520. DOI: 10.1177/026540758900600101CrossRefGoogle Scholar
Cohen, Erik. 2003. “Transnational Marriage in Thailand: The Dynamics of Extreme Heterogamy”. Em Sex and Tourism: Journeys of Romance, Love and Lust, editado por Bauer, Thomas e McKercher, Bob, 5781. Nova Iorque: Haworth Press.Google Scholar
Constable, Nicole. 2003. Pen Pals, Virtual Ethnography, and “Mail Order” Marriages: Romance on a Global Stage. Berkeley: University of California Press. DOI: 10.1525/9780520937222CrossRefGoogle Scholar
Constable, Nicole, ed. 2005. Cross-Border Marriages: Gender and Mobility in Transnational Asia. Filadélfia: University of Pennsylvania Press. DOI: 10.9783/9780812200645Google Scholar
Costa, António F., Mauritti, Rosário, Martins, Susana, Machado, Fernando, e de Almeida, João F.. 2000. “Classes sociais na Europa”. Sociologia, Problemas e Práticas 34. 943.Google Scholar
Cunha, Manuela, e Cunha, Luís, eds. 2007. Intersecções ibéricas: Margens, passagens e fronteiras. Lisboa: 90º Editora.Google Scholar
Darieva, Tsypylma, Schiller, Nina, e Gruner-Domic, Sandra, eds. 2012. Cosmopolitan Sociability: Locating Transnational Religious and Diasporic Networks. Londres: Routledge.Google Scholar
Djurdjevic, Marija, e Roca, Jordi. 2016. “Mixed Couples and Critical Cosmopolitanism: Experiences of Cross-Border Love”. Journal of Intercultural Studies 37 (4): 390405. DOI: 10.1080/07256868.2016.1190695CrossRefGoogle Scholar
Fanon, Frantz. (1952) 1989. Pele negra, máscaras brancas. Lisboa: Edições 70.Google Scholar
Fernandes, Florestan. 1978. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática.Google Scholar
Filho, Alípio S. 2011. Brésil: Terre de métissages—Imaginaire et quotidien dans la société brésilienne. Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes.Google Scholar
Flemmen, Anne. 2008. “Transnational Marriages: Empirical Complexities and Theoretical Challenges. An Exploration of Intersectionality”. NORA, Nordic Journal of Feminist and Gender Research 16 (2): 114129. DOI: 10.1080/08038740802140244CrossRefGoogle Scholar
Flemmen, Anne, e Lotherington, Ann. 2008. “Transnational Marriages: Politics and Desire”. Em Mobility and Place: Enacting North European Peripheries, editado por Bærenholdt, J⊘rgen e Granås, Brynhild, 127138. Aldershot: Ashgate.Google Scholar
Fry, Peter. 2005. A persistência da raça: Ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.Google Scholar
Go, Julian, e Krause, Monika. 2016. Fielding Transnationalism. Hoboken: Wiley-Blackwell.Google Scholar
Goldstein, Donna. 2003. Laughter out of Place: Race, Class, Violence, and Sexuality in a Rio Shantytown. Berkeley: University of California Press.Google Scholar
Guetto, Raffaele. 2015. “An Empirical Study of Status Exchange through Migrant/Native Marriages in Italy”. Journal of Ethnic and Migration Studies 41 (13): 21492172. DOI: 10.1080/1369183X.2015.1037725CrossRefGoogle Scholar
Haandrikman, Karen. 2012. “Bi-national Marriages in Sweden: Is There an EU Effect?”. Stockholm Research Reports in Demography. http://www.suda.su.se/SRRD/SRRD_2012_2.pdf. DOI: 10.1002/psp.1770CrossRefGoogle Scholar
Hong, Jin. 2012. “The Politics of Intimacy: Chinese Women’s Marriage Migration to South Korea”. Tese de doutorado, University of Hong Kong.Google Scholar
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 2012. Estatísticas do registro civil 2011. Estatísticas do registro civil, vol. 38. Rio de Janeiro: IBGE.Google Scholar
INE (Instituto Nacional de Estadística, Espanha). 2012. Movimiento natural de la población 2011. http://www.ine.es/jaxi/menu.do?type=pcaxis&path=/t20/e301&file=inebase&N=&L=0.Google Scholar
INE (Instituto Nacional de Estatística, Portugal). 2013. Estatísticas demográficas 2011. Lisboa: INE.Google Scholar
ISTAT (Istituto Nazionale di Statistica). 2012. Il matrimonio in Italia, anno 2011. http://www.istat.it/it/archivio/75517.Google Scholar
Jamieson, Mark. 2000. “It’s Shame That Makes Men and Women Enemies: The Politics of Intimacy among the Miskitu of Kakabila”. Journal of the Royal Anthropological Institute 6 (2): 311324. DOI: 10.1111/1467-9655.00018CrossRefGoogle Scholar
Jones, Gavin. 2012a. “Marriage Migration in Asia: An Introduction”. Asian and Pacific Migration Journal 21 (3): 287290. DOI: 10.1177/011719681202100301CrossRefGoogle Scholar
Jones, Gavin. 2012b. “International Marriage in Asia: What do we Know, and What do we Need to Know?”. Asia Research Institute, Working Paper Series, 174. Singapura: National University of Singapore. http://www.ari.nus.edu.sg/docs/wps/wps12_174.pdf.Google Scholar
Júnior, Edmilson L. 2005. “Amor, sexo e dinheiro: Uma interpretação sociológica do mercado de serviços sexuais”. Política & Sociedade 4 (6): 165193.Google Scholar
Kim, Minjeong. 2010. “Gender and International Marriage Migration”. Sociology Compass 4 (9): 718731. DOI: 10.1111/j.1751-9020.2010.00314.xCrossRefGoogle Scholar
King, Russell. 2002. “Towards a New Map of European Migration”. International Journal of Population Geography 8. 89106. DOI: 10.1002/ijpg.246CrossRefGoogle Scholar
Knauth, Daniela R., Victora, Ceres, Leal, Andréa F., e Fachel, Jandyra. 2006. “As trajetórias afetivo-sexuais: Encontros, uniões e separação”. Em O aprendizado da sexualidade: Um estudo sobre reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros, editado por Heilborn, Maria, Aquino, Estela, Bozon, Michel, e Knauth, Daniela R., 267307. Rio de Janeiro: Fiocruz/Garamond.Google Scholar
Kofman, Eleonore. 2012. “Rethinking Care Through Social Reproduction: Articulating Circuits of Migration”. Social Politics: International Studies in Gender, State and Society 19 (1): 142162. DOI: 10.1093/sp/jxr030CrossRefGoogle Scholar
Kohn, Tâmara. 1998. “The Seduction of the Exotic: Notes on Mixed Marriage in East Nepal”. Em Cross Cultural Marriage: Identity and Choice, editado por Breger, Rosemary e Hill, Rosanna, 6782. Oxford: Berg.Google Scholar
Lamont, Michèle, e Molnár, Virág. 2002. “The Study of Boundaries in the Social Sciences”. Annual Review of Sociology 28. 167195. DOI: 10.1146/annurev.soc.28.110601.141107CrossRefGoogle Scholar
Levy, Maria. 2009. “A escolha do cônjuge”. Revista Brasileira de Estudos de População 26 (1): 117133. DOI: 10.1590/S0102-30982009000100009CrossRefGoogle Scholar
Lima, Antónia P., e Togni, Paula. 2012. “Migrando por um ideal de amor: Família conjugal, reprodução, trabalho e gênero”. Ipotesi: Revista de Estudos Literários 16 (1): 135144.Google Scholar
Machado, Igor. 2009. Cárcere público: Processos de exotização entre brasileiros no Porto. Lisboa: ICS.Google Scholar
Maffioli, Dionisia, Paterno, Anna, e Gabrielli, Giuseppe. 2013. “International Married and Unmarried Unions in Italy: Criteria of Mate Selection”. International Migration 52 (3): 160176. DOI: 10.1111/imig.12049CrossRefGoogle Scholar
Mapril, José. 2008. “Os sonhos da ‘modernidade’: Migrações globais e consumos entre Lisboa e Dhaka”. Em A globalização no divã, editado por Carmo, Renato, Melo, Daniel, e Blanes, Ruy, 6588. Lisboa: Tinta-da-China.Google Scholar
Marcus, George. 1995. “Ethnography in/of the World System: The Emergence of Multi-Sited Ethnography”. Annual Review of Anthropology 24. 95117. DOI: 10.1146/annurev.an.24.100195.000523CrossRefGoogle Scholar
McClintock, Anne. 1995. Imperial Leather: Race, Gender and Sexuality in the Colonial Contest. Londres: Routledge.Google Scholar
Mignolo, Walter. 2000. Local Histories/Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton, NJ: Princeton University Press.Google Scholar
Mignolo, Walter. 2010. “Coloniality at Large: The Western Hemisphere and the Colonial Horizon of Modernity”. Em Teaching and Studying the Americas: Cultural Influences from Colonialism to the Present, editado por Pinn, Anthony, Levander, Caroline, e Emerson, Michael, 4974. Nova Iorque: Palgrave Macmillan. DOI: 10.1057/9780230114432_4CrossRefGoogle Scholar
Milewski, Nadja, e Kulu, Hill. 2014. “Mixed Marriages in Germany: A High Risk of Divorce for Immigrant-Native Couples”. European Journal of Population 30 (1): 89113. DOI: 10.1007/s10680-013-9298-1CrossRefGoogle Scholar
Nagel, Joane. 2003. Race, Ethnicity, and Sexuality: Intimate Intersections, Forbidden Frontiers. Nova Iorque: Oxford University Press.Google Scholar
Néri, Marcelo. 2005. Sexo, casamento e economia. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS.Google Scholar
Niedomysl, Thomas, Östh, John, e van Ham, Maarten. 2010. “The Globalization of Marriage Fields: The Swedish Case”. Journal of Ethnic and Migration Studies 36 (7): 11191138. DOI: 10.1080/13691830903488184CrossRefGoogle Scholar
Noleto, Rafael. 2015. “Comunidades sexualizadas: Articulando raça, gênero e sexualidade na construção de nações”. Em Raça, etnicidade, sexualidade e gênero em perspectiva comparada, editado por Cancela, Cristina, Moutinho, Laura, e Simões, Júlio, 121141. São Paulo: Terceiro Nome.Google Scholar
O’Connell-Davidson, Julia. 2001. “The Sex Tourist, the Expatriate, His Ex-Wife and Her ‘Other’: The Politics of Loss, Difference and Desire”. Sexualities 41 (1): 524. DOI: 10.1177/136346001004001001CrossRefGoogle Scholar
Padilla, Mark, Hirsch, Jennifer S., Muñoz-Laboy, Miguel, Sember, Robert, e Parker, Richard G.. 2007a. “Introduction: Cross-Cultural Reflections on an Intimate Intersection”. Em Love and Globalization: Transformations of Intimacy in the Contemporary World, editado por Padilla, Mark et al., ixxxxi. Nashville, TN: Vanderbilt University Press. DOI: 10.2307/j.ctv17vf5w8.4Google Scholar
Padilla, Mark, Hirsch, Jennifer S., Muñoz-Laboy, Miguel, Parker, Richard G., e Sember, Robert, eds. 2007b. Love and Globalization: Transformations of Intimacy in the Contemporary World. Nashville, TN: Vanderbilt University Press.Google Scholar
Piscitelli, Adriana. 2004. “El tráfico del deseo: Interseccionalidades no marco do turismo sexual no Nordeste do Brasil”. Quaderns-e 4. 115. http://www.antropologia.cat//antiga/quaderns-e/04/04_03.htm#4.Google Scholar
Piscitelli, Adriana. 2007. “Sexo tropical em um país europeu: Migração de brasileiras para a Itália no marco do ‘turismo sexual’ internacional”. Estudos Feministas 15 (3): 717744. DOI: 10.1590/S0104-026X2007000300014CrossRefGoogle Scholar
Piscitelli, Adriana. 2008. “Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras”. Sociedade e Cultura 11 (2): 263274. DOI: 10.5216/sec.v11i2.5247CrossRefGoogle Scholar
Piscitelli, Adriana. 2009. “Tránsitos: Circulación de brasileñas en el ámbito de la transnacionalización de los mercados sexual y matrimonial”. Horizontes Antropológicos 15 (31): 101136. DOI: 10.1590/S0104-71832009000100005CrossRefGoogle Scholar
Piscitelli, Adriana. 2016. “Economias sexuais, amor e tráfico de pessoas—Novas questões conceituais”. Cadernos Pagu 47: e16475. http://www.scielo.br/pdf/cpa/n47/1809–4449-cpa-18094449201600470005.pdf. DOI: 10.1590/18094449201600470005Google Scholar
Pontes, Luciana. 2004. “Mulheres brasileiras na mídia portuguesa”. Cadernos Pagu 23. 229256. DOI: 10.1590/S0104-83332004000200008CrossRefGoogle Scholar
Porter, Margaret, e Bronzaft, Arline. 1995. “Do the Future Plans of Educated Black Women Include Black Mates?Journal of Negro Education 64 (2): 162170. DOI: 10.2307/2967239CrossRefGoogle Scholar
Raposo, Paulo, e Togni, Paula. 2009. Fluxos matrimoniais transnacionais entre brasileiras e portugueses: Género e Imigração. Lisboa: ACIDI.Google Scholar
Rebhun, Linda-Anne. 2007. “The Strange Marriage of Love and Interest: Economic Change and Emotional Intimacy in Northeast Brazil”. Em Love and Globalization: Transformations of Intimacy in the Contemporary World, editado por Padilla, Mark et al., 106120. Nashville, TN: Vanderbilt University Press. DOI: 10.2307/j.ctv17vf5w8.9Google Scholar
Riaño, Yvonne, e Baghdadi, Nadia. 2007. “‘Je pensais que je pourrais avoir une relation plus égalitaire avec un Européen’. Le rôle du genre et de l’imaginaire géographique dans la migration des femmes”. Nouvelles Questions Féministes 26 (1): 3853. DOI: 10.3917/nqf.261.0038CrossRefGoogle Scholar
Ribeiro, Fernando B., e Sacramento, Octávio. 2006. “Sexo, amor e interesse entre gringos e garotas em Natal”. Cronos—Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN 7 (1): 161172.Google Scholar
Ribeiro, Fernando B., e Sacramento, Octávio. 2009. “Imagens, erotismo e culturas on the road: Perspectivas sobre o Brasil como destino turístico”. Configurações 5–6: 241255. DOI: 10.4000/configuracoes.472CrossRefGoogle Scholar
Roca, Jordi. 2009. “Migraciones amorosas. Migraciones (re)negadas”. Revista Migraciones 25. 89124.Google Scholar
Roca, Jordi. 2011. “[Re]buscando el amor: Motivos y razones de las uniones mixtas de hombres españoles con mujeres extranjeras”. Revista de Dialectología y Tradiciones Populares 66 (2): 487514. DOI: 10.3989/rdtp.2011.18CrossRefGoogle Scholar
Roca, Jordi. 2013. “Les familles mixtes en Espagne: Liens transnationaux et processus d’intégration”. Diversité Urbaine 132. 2948. DOI: 10.7202/1025160arGoogle Scholar
Roca, Jordi. 2016. “De Sur a Norte, de Norte a Sur: El balance laboral de mujeres cualificadas migrantes por amor”. Revista Andaluza de Antropología 11. 92120. DOI: 10.12795/RAA.2016.11.05CrossRefGoogle Scholar
Roca, Jordi, Anzil, Verónica e Yzusqui, Roxana. 2017. “Love and Its Borders: The Monitoring and Control of Binational Marriages in Spain”. Anthropological Notebooks 23 (2): 2137.Google Scholar
Russell, Kathy, Wilson, Midge e Hall, Ronald. 1993. The Color Complex: The Politics of Skin Color among African Americans. Nova Iorque: Anchor Books.Google Scholar
Sacramento, Octávio. 2014. “Atlântico passional: Mobilidades e configurações transnacionais de intimidade euro-Brasileiras”. Tese de doutorado, ISCTE-IUL, Lisboa.Google Scholar
Sacramento, Octávio. 2015. “Vida boa e história de amor: Desígnios femininos ante turistas europeus no nordeste brasileiro”. Em Mujeres en riesgo de exclusión social: Una perspectiva transnacional, editado por Fernández, Óscar, 123135. Madrid: McGraw-Hill.Google Scholar
Sacramento, Octávio. 2016a. “Conjugalidades distendidas: Trânsitos, projetos e casais transatlânticos”. DADOS—Revista de Ciências Sociais 59 (4): 12071240. DOI: 10.1590/001152582016111Google Scholar
Sacramento, Octávio. 2016b. “Localizações e itinerâncias: Crónica de um trabalho de campo transatlântico”. Em Trabalho de campo: Envolvimento e experiências em Antropologia, editado por Martins, Humberto e Mendes, Paulo, 179199. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.Google Scholar
Sacramento, Octávio. 2017. “Mulé’ tem que ficar esperta: Turismo, encontros passionais e gestão feminina da intimidade no Nordeste do Brasil”. Mana: Estudos de Antropologia Social 23 (1): 137165. DOI: 10.1590/1678-49442017v23n1p137CrossRefGoogle Scholar
Sacramento, Octávio. 2018. “From Europe with Passion: Frameworks of the Touristic Male Desire of Ponta Negra, in the North-East of Brazil”. Current Issues in Tourism 21 (2): 210224. DOI: 10.1080/13683500.2015.1056517CrossRefGoogle Scholar
Sacramento, Octávio, e Ribeiro, Fernando B.. 2013. “Trópicos sensuais: A construção do Brasil como geografia desejada”. Bagoas 10. 215232.Google Scholar
Sansone, Lívio. 2004. Negritude sem etnicidade: O local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil. Salvador da Bahia: EDUFBA. DOI: 10.7476/9788523211974Google Scholar
Schuler, Flávia, e Dias, Cristina. 2014. “Entre o sonho e a realidade: Migração de brasileiras para a Suíça”. Revista da Escola de Enfermagem da USP 48 (esp2): 2531. DOI: 10.1590/S0080-623420140000800005Google Scholar
Sizaire, Laure. 2016. “S’ouvrir au marché matrimonial international: Le cas des femmes russophones”. e-Migrinter 14. DOI: 10.4000/e-migrinter.706Google Scholar
Smith, Sanne, Maas, Ineke, e van Tubergen, Frank. 2012. “Irreconcilable Differences? Ethnic Intermarriage and Divorce in the Netherlands, 1995–2008”. Social Science Research 41. 11261137. DOI: 10.1016/j.ssresearch.2012.02.004CrossRefGoogle ScholarPubMed
Sommer, Doris. 2004. Ficções de fundação: Os romances nacionais da América Latina. Belo Horizonte: UFMG.Google Scholar
Stolcke, Verena. 2006. “O enigma das interseções: Classe, ‘raça’, sexo, sexualidade. A formação dos impérios transatlânticos do século XVI ao XIX”. Estudos Feministas 14 (1): 1542. DOI: 10.1590/S0104-026X2006000100003CrossRefGoogle Scholar
Stoler, Ann. 1995. Race and Education of Desire: Foucault’s History of Sexuality and the Colonial Order of Things. Durham, NC: Duke University Press. DOI: 10.2307/j.ctv11319d6Google Scholar
Tastsoglou, Evangelia. 2002. “Race and the Politics of Personal Relationships: Focus on Black Canadian Women”. Affilia: Journal of Women and Social Work 17 (1): 93111. DOI: 10.1177/0886109902017001006CrossRefGoogle Scholar
Tedesco, João. 2014. “Casamentos mistos: Novas sociabilidades e quadros coletivos. Aspectos da imigração de brasileiras na Itália”. Estudos Feministas 22 (1): 115133. DOI: 10.1590/S0104-026X2014000100007CrossRefGoogle Scholar
Thai, Hung C. 2005. “Clashing Dreams in the Vietnamese Diaspora: Highly Educated Overseas Brides and Low-Wage U.S. Husbands”. Em Cross-Border Marriages: Gender and Mobility in Transnational Asia, editado por Constable, Nicole, 145165. Filadélfia: University of Pennsylvania Press. DOI: 10.9783/9780812200645.145Google Scholar
Torres, Anália. 2003. “Famiglia, matrimónio e divorzio in Portogallo: Tendenze contemporane”. Em La famiglia in Europa, editado por Rossie, Giovanna, 243266. Roma: Carocci.Google Scholar
Veevers, Jean. 1988. “The ‘Real’ Marriage Squeeze: Mate Selection, Mortality, and the Mating Gradient”. Sociological Perspectives 31 (2): 169189. DOI: 10.2307/1389081CrossRefGoogle ScholarPubMed
Veissière, Samuel. 2011. Ghosts of Empire: Sex, Mobility, and Violence in the Transatlantic Cultural Economy of Desire. Berlim: LIT Verlag.Google Scholar
Wall, Karin, e Nunes, Cátia. 2010. “Immigration, Welfare and Care in Portugal: Mapping the New Plurality of Female Migration Trajectories”. Social Policy & Society 9 (3): 397408. DOI: 10.1017/S1474746410000114CrossRefGoogle Scholar
Wang, Hong-Zen. 2007. “Hidden Spaces of Resistance of the Subordinated: Case Studies from Vietnamese Female Migrant Partners in Taiwan”. International Migration 41 (3): 706727. DOI: 10.1111/j.1747-7379.2007.00091.xCrossRefGoogle Scholar
Williams, Erica. 2013. Sex Tourism in Bahia: Ambiguous Entanglements. Urbana: University of Illinois Press. DOI: 10.5406/illinois/9780252037931.001.0001CrossRefGoogle Scholar
Williams, Lucy, ed. 2010. Global Marriage: Cross-Border Marriage Migration in Global Context. Nova Iorque: Palgrave Macmillan. DOI: 10.1057/9780230283022CrossRefGoogle Scholar
Yeoh, Brenda, Leng, Chee, e Dung, Vu. 2013. “Commercially Arranged Marriage and the Negotiation of Citizenship Rights among Vietnamese Marriage Migrants in Multiracial Singapore”. Asian Ethnicity 14 (2): 139156. DOI: 10.1080/14631369.2012.759746CrossRefGoogle Scholar
Zelizer, Viviana. 2005. The Purchase of Intimacy. Princeton, NJ: Princeton University Press.Google Scholar
Figure 0

Quadro 1 Geografia dos casamentos transnacionais de cidadãs brasileiras em Natal.

Figure 1

Quadro 2 Estado civil anterior ao casamento.

Figure 2

Quadro 3 Regimes patrimoniais dos casamentos entre brasileiras e europeus realizados e transcritos em Natal.